Wednesday, December 19, 2007

Ferreira de Castro e o seu tempo - o ano de 1898 (#1)

Dou hoje início a um projecto de cronologia de Ferreira de Castro, articulada com a da época em que viveu.
O método de postagem será fragmentário e não-linear, o que significa que não haverá um grande respeito cronológico...
Para futura orientação, recomendo a consulta dos marcadores, no final de cada post.



1898


Castro - 24/V - Nasce nos Salgueiros, freguesia de Ossela, concelho de Oliveira de Azeméis, distrito de Aveiro. Filho de José Eustáquio Ferreira de Castro e Maria Rosa Soares de Castro, camponeses, caseiros da família Gomes Barbosa.
Castro sobre Ossela - A distância sublima a aldeia: anula os seus defeitos, agiganta e doira as suas virtudes. A nostalgia que me torturou durante os nove anos de emigração, sem o conforto de saber se poderia jamais voltar, foi, dos muitos outros sofrimentos que suportei no espírito, um dos dois mais cruéis de toda a minha vida. / Para mim, a aldeia em que nasci não é apenas a infância que nela me decorreu, incompreendida e triste, é também a poesia que já então lhe captava, a poesia que ela tinha, mais tarde inflamada por aquela de que eu mesmo a impregnei. Poesia que tantas vezes me retira a lembrança dos dias infantis, para recordar apenas o encanto da Natureza, que eu não conseguia evocar, lá longe, nas ardentes paragens do exílio, sem fervor e sem desespero. «A aldeia nativa», Os Fragmentos, 2.ª edição, Lisboa, Guimarães & C.ª Editores [974] pp. 45-46.






Texto - Abel Botelho, Mulheres da Beira e O Livro de Alda.
Castro sobre Botelho - Quereis personagem mais romântico e mais humano que o protagonista do «Amanhã», de Abel Botelho -- que se sacrifica entre as asas do Amor e a alvorada do Ideal -- e cuja cabeça, sangrenta, decapitada, rola como um troféu raro, como um destroço do Sonho, até aos pés da mulher amada -- dessa mulher a quem a luz dum novo dia vai envolvendo, suavemente, redentoramente? «Os românticos do realismo», A Batalha -- Suplemento Semanal Ilustrado, n.º 38, Lisboa, 18/VIII/1924.




Confronto - Joseph Conrad, Histórias Inquietas e O Negro do Narciso.
Castro sobre Conrad [a propósito de Mar Morto, de Jorge Amado] - Conrad, que amava as figuras dos oceanos, é, comparado com Jorge Amado, um... frio matemático. Diário de Lisboa, 1936, apud Jorge Amado: Trinta Anos de Literatura, São Paulo, Livraria Martins, 1961, p. 140.






Contexto - 9/II - Concessão de Hong Kong aos ingleses, por 99 anos.

A baía de Hong Kong (1939).
Foto FCastro/Elena Muriel, in A Volta ao Mundo, Lisboa Empresa Nacional de Publicidade, 1939

Castro sobre Hong Kong - Antes mesmo de pisar terra, quem arriba surpreende, no porto, espectáculo bem oriental. No meio dos navios fundeados há uma incontável multidão de juncos [...]. Cerca de 100 000 chineses vivem, permanentemente, com as mulheres e os filhos, nestas embarcações. [...] No estreito convés realizam todos os actos da vida doméstica. [...] não falta, sequer, um galinheiro à popa. [...] Rechonchudas crianças, de dois ou três anos, andam tranquilamente no rebordo dos barcos, ali onde qualquer de nós teria de fazer, para não cair, equilíbrios de homem em corda bamba. As mães destes pequeninos chineses usam calças e exibem o tronco em plena nudez, as tetas caídas e queimadas pelo sol. Como as de terra, estas mulheres a tudo se sacrificam, resignadamente. Elas acorrem a todas as necessidades da meia dúzia de tábuas oscilantes que o destino lhes deu para patíbulo da sua vida e, quando pretendem deslocar-se, agarram-se às extremidades dos enormes remos e remam que nem antigos escravos de galera. / Atrás desta população boiante ergue-se a famosa Hong Kong, também Cidade da Vitória chamada. Três ruas compridíssimas, apenas três ruas, ligadas por outras transversais, a constituem. Majestosos edifícios ocupam a primeira parte destas grandes artérias. É o mundo dos negócios, onde imperam ingleses e americanos. Bancos, companhias de navegação, outras empresas, dão a este trecho da cidade o mesmo pesado orgulho dos bairros comerciais de Londres. Tudo se apresenta com modernidade e soberbia. [...] Mas, em breve, as três longas ruas perdem a sua feição ocidental e se metamorfoseiam em rumoroso e pitoresco bairro chino. É já outro comércio, um comércio miúdo de comestíveis, de sedas e de obras de arte. A Volta ao Mundo, vol. III, s.ed., Lisboa, Guimarães & C.ª, s.d., pp. 62-63.


Pintura de 1898 - Arnold Böcklin, A Praga
Castro sobre Böcklin - Agradar parecia ser o único objectivo da sua arte e isso proporcionou-lhe um êxito fácil. As Maravilhas Artísticas do Mundo, vol. III, s.ed., Lisboa, Guimarães & C.ª-Editores,1971, p. 328.


Museu de Belas-Artes, Basileia

Poesia de 1898 - Ó árvores, irmãs de todos nós, um dia / Há-de esta alma reunir-se à vossa alma dormente... Júlio Brandão, «Árvores»,

Música de 1898 - Grieg, Danças Sinfónicas.

Escritores de 1898 - José Dias Sancho, ficcionista, poeta, polemista, desenhador e jornalista, em São Brás de Alportel (m. Faro, 1929); Federico García Lorca, poeta e dramaturgo, 5/VI (19/VIII/1936). Morrem em 1898 - Joaquim da Costa Cascais, dramaturgo, em Lisboa, 7/III, Lisboa (n. Aveiro, 29/X/1815); Stéphane Mallarmé , em 9/IX (n. 18/III/1842).



Ecos de 1898 - Lisboa, 24/V. Eça de Queirós a sua mulher, Emília de Castro, dando conta de exigência da Revista Moderna: «depois de me ter dado tempo largo para enviar Ramires, agora o exige à pressa e à lufa-lufa.» Correspondência, vol. II, leitura, coordenação, prefácio e notas de Guilherme de Castilho, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983, p. 451.

Castro sobre Eça - (comparando com Fialho) - Eça era tapete de milionário, Fialho tapete de burocrata. Eça era fino e subtil como um tapete da Pérsia, Fialho duro e grosseiro: -- daqueles «Faz favor de limpar os pés». Mas... A ironia é a arma do fraco contra o Forte. Do vencido contra o Vencedor. [...] O eterno sorriso dos irónicos é o eterno desejar dos despeitados. «Pedras ao poço», Mas..., Lisboa, edição do Autor, 1921, p. 18; Ao lermos Eça, temos a sensação de que a sua secretária estava erguida sobre uma cidade que se relacionava já com o mundo pela T.S.F. A secretária de Fialho, ao contrário, estava situada numa aldeia. «Regionalismo e internacionalismo - Resposta a José Dias Sancho», A Batalha, n.º 98, 12/X/1925. - (comparando com Camilo) - [...] por temperamento, escola literária, orientação de cultura e até pela vida, tão diversa, que cada um levou, Eça compreendia o homem muito melhor do que Camilo. Este via, quase sempre, as suas personagens unilateralmente, pelo amor, pelo ódio, pelo sarcasmo, pelo bem ou pelo mal. Preocupava-se, acima de tudo, com o ruído do relógio, ao passo que Eça gostava de desmontar o relógio peça por peça. De certa maneira, para Camilo, cada personagem representava um sentimento, para Eça representava todos ou quase todos os sentimentos. Camilo aliava ao seu grande talento uma forte cultura sobre a vida nacional, inclusive sobre genealogia, coisa completamente inútil para um romancista que não escreva romances históricos. Parece, porém, que nunca se preocupou de modo profundo com a filosofia. Eça, pelo contrário, captara as inquietudes filosóficas do século XIX e as suas experiências psicológicas, valores perante os quais Camilo reagia, muitas vezes, pelo desdém. Daí os habitantes da obra de Eça serem mais ricos de conteúdo, mais variados, mais verdadeiros psicologicamente, mesmo quando o romancista os deformou com demasiados traços caricaturais... «Ferreira de Castro -- o mais universal dos romancistas portugueses -- fala da universalidade de Eça de Queirós» [entrevista a Jaime Brasil], O Primeiro de Janeiro, «Das Artes e das Letras», 1/11/1944.

actualizações: 19, 20,21/X/2007

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