Thursday, November 28, 2013

Monday, November 18, 2013

Ferreira de Castro e Luandino Vieira

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Quando, em 1965, o júri do Prémio Camilo Castelo Branco -- instituído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, fundada na década anterior por Ferreira de Castro e Aquilino Ribeiro, e a que ambos presidiram -- decidiu distinguir a obra de um escritor pertencente ao MPLA e a cumprir pena no Tarrafal, a consequência desta decisão acarretou a extinção da SPE e o saque e a vandalização das suas instalações por parte de rufias da Legião Portuguesa.
Castro terminara o seu mandato como presidente no ano anterior, e deve ter sido com enorme mágoa que soube dessa acção perpetrada por sicários do regime, cujas poucas letras, de resto, os tornava inaptos para a leitura de Luuanda, se acaso o tentassem.
O livro, composto por três novelas, é uma obra-prima de criação literária, de trabalho dentro da língua portuguesa e da recriação dela através da língua errada do povo, da língua certa do povo, como diria Manuel Bandeira. E obra-prima de duas literaturas: da portuguesa (Vieira nasceu em Vila Nova de Ourém, em 1935) e também da angolana, país que é o seu desde os três anos de idade, e que profundamente deve amar, pois uma escrita desta só é possível por quem se tornou, de facto, angolano, amando a sua terra e as pessoas que nelas vivem. E não esqueçamos ser José Luandino Vieira Prémio Camões de 2006, embora o tenha recusado.
A minha edição de Luuanda, de 1983, é do Círculo de Leitores. Na badana da sobrecapa o primeiro excerto de um escritor é de Ferreira de Castro, infelizmente sem menção da sua proveniência:
«Considero, sem favor algum, que a obra Luuanda é um trabalho de alto mérito literário e José Luandino Vieira, um escritor de grande talento, que já enriqueceu, com este livro, a nossa literatura [...]».
Por um lado, Castro percebe que está diante dum excepcional escritor; por outro, velho oposicionista, quis vincar com aquele "sem favor algum", que o mérito de Luuanda nada tinha que ver com considerações de ordem política. Embora o júri -- que Ferreira de Castro não integrou -- não fosse ingénuo e soubesse que a sua decisão acarretaria consequências desagradáveis -- talvez não suspeitassem, contudo, da selvajaria que se seguiu --, honraram-se como homens livre num país que o não era, ao premiarem literatura verdadeira: a que experimenta e arrisca enquanto arte.

Monday, November 04, 2013

Camus, Koestler, Orwell

Leio a evocação de Albert Camus no Expresso, expressiva evocação escrita por Clara Ferreira Alves. À baila teria de vir os nomes doutros grandes escritores lucidamente antitotalitários, Arthur Koestler e George Orwell. Lúcida e corajosamente antitotalitários: era mais fácil ir na onda das verdades anunciadas, do dogmatismo político para-religioso, que resultou na mentira, na perseguição, nos hospitais psiquiátricos, na tortura e na morte.
Era mais fácil ser-se cobarde e vilmente propagandista dum embuste stalinista que todos sabiam ser um universo de crime, em nome dos grande princípios que todos os homens de bem subscrevem.
Estes tipos eram inteligentes, e certamente não se ficaram pelo papaguear das palavras-de-ordem, pela catequização funcionária do Partido. E leram, leram de certeza, o seu Lenine e o seu Marx para perceberem que aquilo era um pensamento intolerante, cuja aplicação prática não poderia ter deixado de ser o que foi: um desastre.
Em tempo: a não perder também o texto de Maria Luísa Malato e a competentíssima cronologia de Eduardo Graça.
Quantas semelhanças com o Ferreira de Castro, libertário, tolerante, humanista e lúcido! A diferença circunstanciaL ao contrário destes seus colegas, que escreveram em sociedades liberais, Castro -- um tudo-nada mais velho -- publicava num país condicionado por uma ditadura de direita com laivos parafascistas, e nunca faria o jogo desta, atacando o bolchevismo do alto do lugar destacadíssimo que conquistara como homem de letras, pelo contrário! Ele soube sempre separar os homens, com os seus dramas individuais e interiores, das doutrinas que professavam, ainda mais se elas eram também motivo de perseguição a quem, ingénua e generosamente na juventude, as professara.
Mas as ideias libertárias que professou estão todas inscritas na sua obra. Basta sabê-la ler, algo que, nas últimas décadas, a nulidade do pensamento e do gosto dominantes não soube fazer, com as devidas e honrosíssimas excepções que, já agora, assinalo aqui com imenso gosto: Eugénio Lisboa, António Cândido Franco, poucos mais.