Sunday, March 29, 2009

de passagem - Jaime Brasil, DIDEROT E A SUA ÉPOCA (1940)

O amaneirado o precioso, o ridículo século XVIII, o século das perucas empoadas, das casacas de seda, das camisas de bofes, dos vestidos de anquinhas, dos sinais postiços no rosto -- foi um dos períodos mais fecundos da História. É que, àparte as suas frívolas exterioridades, foi o século dos filósofos, dos realizadores da maior Revolução de que há memória, não já na ordem política -- a coisa mais desordenada e transitória que imaginar se pode -- mas no domínio das ideias e do pensamento criador.
Jaime Brasil, Diderot e a Sua Época, Lisboa, Editorial Inquérito, 1940, p. 7.

Jaime Brasil, anarquista (1)

Publicado em Afinidades, n.º 2, II Série, Porto, Revista da Casa-Museu Abel Salazar, Jul.-dez. 2005
porque a liberdade
é a lei mais importante da criação
Ana Hatherly
1. As ideias libertárias que durante o século XIX português participaram da amálgama antimonárquica, com socialistas e republicanos de vários matizes, terão atingido a sua plena autonomização e maioridade durante a I República, quando se tornou evidente que os vícios do demoliberalismo burguês haviam transitado de regime. Os trabalhadores conheciam uma organização poderosa na União Operária Nacional (depois Confederação Geral do Trabalho), anarco-sindicalista, preponderante sobre outros movimentos e partidos operários, até ao fracasso da Revolta da Marinha Grande, em 1934. O seu diário, A Batalha, era o jornal mais lido, depois de O Século e do Diário de Notícias (1). O próprio movimento comunista português, ao contrário dos congéneres de outros países, frutos de dissidência social-democrata, tiveram extracção anarquista, com Manuel ribeiro, na Federação Maximalista Portuguesa (1919) e José Carlos Rates, o primeiro secretário-geral do Partido Comunista Português, em 1921 (2).
(1) Jacinto BAPTISTA, Surgindo Vem ao Longe a Nova Aurora... Para a História do Diário Sindicalista A Batalha / 1919-1927, Venda Nova, Livraria Bertrand, 1927, p. 99.
(2) João G. P. QUINTELA, Para a História do Movimento Comunista em Portugal: 1. A Construção do partido (1.º Período 1919-1929), porto, Afrontamento, 1976.
(continua)

Thursday, March 26, 2009

A Batalha, 90 anos

O último número de A Batalha (o 233 da VI série), publicado pelo Centro de Estudos Libertários (CEL), assinala os 90 anos do início da publicação do então diário da União Operária Nacional (depois, Confederação Geral do Trabalho - CGT), saído em 23 de Fevereiro de 1919, com a republicação de alguns artigos de colaboradores históricos do jornal: Alexandre Vieira, «Preparação de militantes operários» (1924); Manuel Joaquim de Sousa, «Igualdade e liberdade» (1923); Ferreira de Castro, «Os ferreiros» (1925); Julião Quintinha, «Os revolucionários em arte que são conservadores na vida social» (1925); Cristiano Lima, «A derrota dos livre-pensadores» (1925); Nogueira de Brito, «Felix Mendelssohn» (1924), e uma ilustração de Roberto Nobre de A Epopeia do Trabalho, que acompanhou o texto de Ferreira de Castro já referido.

Saturday, March 21, 2009

Raul Proença, Ferreira de Castro e o Guia de Portugal (1)

Publicado em Castriana, n.º 2, Ossela, Centro de Estudos Ferreira de Castro, 2004
A edição, em 1924, do primeiro tomo do Guia de Portugal -- Generalidades -- Lisboa e Arredores, dirigido e organizado por Raul Proença (1884-1941), é um dos mais nítidos exemplos do intelectual em acção, de acordo com o ideário seareiro de que o publicista foi o mais acérrimo propagandista.
(continua)

Thursday, March 19, 2009

Homenagem a João de Barros

Homenagem a João de Barros, Lisboa, 1952.
Textos e testemunhos: Joaquim Manso, Leonardo Coimbra, João Neves da Fontoura, Costas Nearchos Ouranis, Ferreira de Castro, Pedro Calmon, Aquilino Ribeiro, João do Rio, Luís de Almeida Braga, Manuel Cardia, Manuel de Sousa Pinto, Guedes de Amorim, Augusto Frederico Schmidt, Josef Calmer, Carlos Sombrio, Ramos de Almeida, Ribeiro Couto, Vasco da Gama Fernandes, Carlos Malheiro Dias, Alberto de Monsaraz, Austregesilo de Attayde, António Iraizez, Mayer Garção, Carlos Maul, Joaquim de Carvalho, Norberto Jorge, Ramón Pérez de Ayala, João Luso, Artur Portela e Aubrey Bell

Wednesday, March 18, 2009

de passagem - do «Pórtico» de A LÃ E A NEVE (1947)

Os primeiros teares criaram-se, em já difusos e incontáveis dias, para a lã que produziam os rebanhos dos Hermínios. O homem trabalhava, então, no seu tugúrio, erguido nas faldas ou a meio da serra. No Inverno, quando os zagais se retiravam das soledades alpestres, os lobos desciam também e vinham rondar, famintos, a porta fechada do homem. A solidão enchia-se dos seus uivos e a neve reflectia a sua temerosa sombra. A serra, porque só a pé ou a cavalo a podiam vencer, parecia incomensurável, muito maior do que era, e de todos os seus recantos, de todos os seus picos e refegos brotavam superstições e lendas -- histórias que os pegureiros contavam, ao lume, a encher de terror as noites infindas.

Ferreira de Castro, A Lã e a Neve, 15.ªedição, Lisboa, Guimarães Editores, 1990.

Tuesday, March 17, 2009

outras palavras - Roberto Nobre, O FUNDO (1946)

Subitamente, foi o país surpreendido com a publicação dum projecto de decreto-lei destinado a transformar radicalmente as condições em que as actividades do Cinema se exercem entre nós, tanto na produção, como na importação e exibição. Dado o papel relevante que o Cinema de há muito tem na Arte e Cultura contemporâneas, deve depreender-se a importância duma tal medida. Lendo-o atentamente, verifica-se a gravidade do que se propõe, tanto mais que reveste outros aspectos, além dos artísticos e industriais.
Roberto Nobre, O Fundo -- Comentários ao projecto da nova Política de Cinema em Portugal, Lisboa, edição do Autor, 1946, p. 7.

Viajar com Ferreira de Castro (1)

Ferreira de Castro -- O triunfo de uma vocação
Tivesse ou não emigrado para o Brasil, ainda criança e sozinho, Ferreira de Castro seria sempre escritor. Foi essa a sua convicção e é também a nossa. Um escritor diferente, por certo, sem as marcas fortíssimas da infância tornada rapidamente maturidade pela vivência imposta pelo seringal amazónico, pelos homens que aí viviam e por uma Belém do Pará em crise, mas ainda com os restos do fausto trazido pela exploração da borracha no início do século XX. A verdade é que quando o pequeno Zeca passava à porta do jornal local ou folheava O Comércio do Porto, sentia o secreto apelo da escrita como algo a que ele já estaria condenado.
Ricardo António Alves, Viajar com Ferreira de Castro, Porto, Edições Caixotim / Ministério da Cultura, [2004], p. 1.

Friday, March 13, 2009

Ferreira e Castro e João Pedro de Andrade (1)

Publicado em João Pedro de Andrade -- Centenário do Nascimento, Actas & Colóquios da Hemeroteca, n.º 2, Lisboa, Câmara Municipal, 2004 (1)
1. É com alegria que o Museu Fereira de Castro se associa às comemorações do 1º Centenário do Nascimento de João Pedro de Andrade. Iniciativa que tem toda a razão de ser, uma vez que entre Ferreira de Castro e João Pedro de Andrade se estabeleceu um longo convívio intelectual, iniciado logo no princípos dos anos 20, quando o futuro crítico e dramaturgo, então um jovem poeta, bate à porta da revista A Hora -- dirigida e quase toda ela elaborada por Castro --, pedindo a publicação de versos seus, o que veio a suceder em duas ocasiões. (2)
(1) Conferência realizada a 26 de Outubro de 2002, no Museu Ferreira de Castro, em Sintra, tendo sido oradores Miguel Real e Ricardo António Alves.
(2) Ver A Hora, nº 2, Lisboa, 19 de Março de 1922 -- João Pedro de ANDRADE, «À ventura»; A Hora, n.º 6, 23 de Abril de 1922 -- João Pedro de ANDRADE, «Crepusculo». A publicação, com o subtítulo Revista-panfleto de Arte, Actualidades e Questões Sociais, saía aos domingos. Publicaram-se apenas 6 números, entre 12 de Março e 23 de Abril de 1922. O Museu Ferreira de Castro tem a colecção completa à consulta. Ver também o verbete e Daniel Pires «Hora (A)», Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1900-1940), Lisboa, Grifo, 996, pp. 189-190.
(continua)

Wednesday, March 11, 2009

um poema de Alice Fergo

UM SIMPLES NUNCA SIMPLÓRIO

A Ferreira de Castro

Que idade me dás seringueiro doce
vergado na sede do pão que não colhes?

Sou uma criança de sacola ao ombro
e massajo a selva
com treze promessas
treze penas roxas em missão de pombo.
A esteira é de sangue.
A obra é desgosto.
Margarida fia arroubos de infância,
guarda-me uma ânsia
de amá-la ao sol-posto.

Vapor messiânico alisa-me a cama
eu já levo barba e uma mágoa em brasa
de tanta injustiça...

Se o rito do Verbo é orgânico
meu corpo de rama não é de ninguém
encarnei ferreiro no castro de um sonho,
pela alma da terra, (Amen.)

In Homenagem a Ferreira de Castro pelos Escritores da Tertúlia "Rio de Prata", Lisboa, Universitára Editora, 1998, p. 5.

Sunday, March 08, 2009

Nova edição de JUBIABÁ, de Jorge Amado

A Companhia das Letras, que está a editar a obra de Jorge Amado, sob direcção de Alberto da Costa e Silva e Lilia Moritz Schwarcz, publicou, no final do ano passado uma nova edição de Jubiabá (1935), o primeiro dos grandes romances do escritor baiano, que foi dedicado,entre outros a Ferreira de Castro. E, com efeito, Castro lá aprece referido, não apenas na dedicatória, na companhia de Graciliano Ramos e Oswald de Andrade, entre outros, mas também as referências do autor do posfácio, Antônio Dimas, e no apêndice documental, com uma formidável e histórica fotografia de 1953, da recepção que o nosso autor organizou a Amado no restaurante internacional da Portela, pois Amado estava proibido de entrar em Portugal. A essa foto voltarei. Basta dizer que com Amado e Castro estavam Maria Lamas, Alves Redol, Mário Dionísio, João José Cochofel, Roberto Nobre, Carlos de Oliveira, José Cardoso Pires, Fernando Piteira Santos e Francisco Lyon de Castro, cercados por pides, entre os quais Rosa Casaco, um dos assassinos de Humberto Delgado. Amado muitas vezes se referiu a este gesto de Ferreira de Castro. A esta foto voltarei.

Saturday, March 07, 2009

de passagem VICTOR HUGO, de Jaime Brasil (1940)

O século XIX, que nasceu ao fragor das batalhas e sobre ruínas fumegantes, não foi nem belicoso nem destruidor. Pode considerar-se mesmo o mais sereno e construtivo período da história moderna. E que nele, mais do que em qualquer outro, se afirmou o triunfo pleno da inteligência criadora. Em nenhum mais encontramos tantas invenções e descobertas, no domínio das ciências e das artes. Dir-se-ia ter atingido, então, o génio humano o ponto culminante da sua curva.
Jaime Brasil,Victor Hugo, Lisboa, Editorial Inquérito, 1940, p. 7.

Para além das ortodoxias: Ferreira de Castro e Francisco Costa (1)

Publicado em Vária Escrita, n.º 10, Sintra, Câmara Muncipal, 2003

Qual a relação possível entre dois escritores da mesma geração, Ferreira de Castro (n. 1898) e Francisco Costa (n. 1900), ideologicamente posicionados em dois extremos do pensamento político-social contemporâneo, libertário, um, activamente internacionalista, revolucionário, antimilitarista, oposicionista e ateu; conservador, o outro, monárquico, próximo do Estado Novo, católico praticante? O diálogo entre os autores de A Selva e Cárcere Invisível foi já abordado nas páginas da Vária Escrita por João Bigotte Chorão, com a profundidade e elegância que caracterizam os seus textos. (1) Para além o amor a Sintra que os irmanava, a circunstância de divergirem ideologicamente, seria, no entender do autor um factor de aproximação: «Não há, muitas vezes, pior companhia que a dos chamados correligionários e irmãos na fé...» (2) Existindo realmente as diferenças de mundividência, homens de pensamento e convicções, ambos romancistas atentos à dignidade essencial de cada indivíduo, sobueram estabelecer pontes que valorizavam o muito que os aproximava.

(1) João Bigotte Chorão, «Francisco Costa, homem-bom de Sintra»,Vária Escrita, n.º 8, Sintra, Câmara Municipal, 2003, pp. 67-76.

(2) Ibidem, p. 67.

(continua)

Tuesday, March 03, 2009

António Campos

Barrosânia - Como é que surgiu a ideia de realizar um filme sobre uma obra de Ferreira de Castro e porquê concretamente "Terra Fria"?
António Campos - O projecto "Terra Fria" surge na sequência do meu interesse em filmar, de uma maneira geral, as raízes da sociedade portuguesa. Principalmente a sociedade fechada de pequenos aglomerados, mas com características e froça próprias à semelhança dos meus filmes anteriores.
"Terra Fria", de certo modo, é um caminho para o meu desejo de filmar o povo português nessa perspectiva. Este projecto não nasceu agora. Nasceu há alguns anos, ainda Ferreira de Castro era vivo, só que na altura não se proporcionou fazê-lo por razões financeiras. Guardei a ideia até há dois anos.
Duma entrevista de António Campos a Judite Aguiar, Barrosânia, n.º 6, Lisboa, Outubro / Dezembro de 1990, p. 46

Monday, March 02, 2009

errância - Andorra (1929 / 1937-38)

Andorra foi sempre, na terra portuguesa e na Europa inteira, um tear de sorrisos. Por ser pequena? Por se ter conservado, através dos séculos, extática, enlevada, ignorada? Nem sempre o que é grande é o mais belo; e a maior fascinação reside sempre no que é desconhecido.
Ferreira de Castro, Pequenos Mundos e Velhas Civilizações, vol. I, 5.ª edição, Lisboa, Guimarães & C.ª, 1955, p. 17.