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Tuesday, July 07, 2015

castrianas: A SELVA em referência de António Quadros numa visão de conjunto do romance brasileiro

É pouco referida a influência que os dois primeiros romances de Ferreira de Castro, Emigrantes  e A Selva, tiveram nos jovens autores do romance nordestino da década de 1930, nomeadamente Jorge Amado e José Lins do Rego. Creio que Álvaro Salema terá sido o primeiro a escrevê-lo explicitamente.
Numa excelente conferência sobre «O romance brasileiro actual», proferida no início dos anos sessenta, António Quadros, já em balanço final e referindo-se à tradição portuguesa da ficção narrativa do Brasil, associa o portuguesíssimo e universalista escritor português sem outra razão aparente que não seja a de evocar o poderoso romance que tem por cenário a magnitude vegetal amazónica, ora edénica ora -- as mais das vezes -- infernal, descrita como nenhum brasileiro o fizera.

« Vincadamente de tradição portuguesa, ainda quando formalmente pareça seguir outros modelos e estruturas, é uma literatura aberta à razão cósmica, que a assume e revela, que quereria ser a voz dos próprios paradoxos e das próprias contradições, que surpreende o homem, não como conceito, não sequer como substância, mas como puro movimento, como movimento infinitamente disponível, potencialidade constantemente a actualizar-se e a formar-se sob a reacção de novos estímulos e solicitações. Este carácter é evidentemente mais visível na tradição que designadamente passa por José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Dinah Silveira de Queiroz e Guimarães Rosa, que visionam o homem em união mais íntima com a natureza e as forças nuas do sentimento, da raça, do inconsciente, da inefável alma do universo, mas não deixa de aflorar num Aluízio de Azevedo, num Raúl Pompeia, num Machado de Assis, num Erico Veríssimo, numa Lígia Fagundes Teles, num Ferando Sabino, na medida em que as suas personagens reflectem o tumulto, a inquietação, a gratuita liberdade do urbanismo brasileiro, crescendo com o vigor cósmico de uma selva, aquela selva que Ferreira de Castro tão vigorosamente soube pintar em sua majestade irracional e misteriosa.»

in O Romance Contemporâneo, Lisboa, Sociedade Portuguesa de Escritores, 1964.

Saturday, November 17, 2012

incidentais #9 -- demasiado bom para ficar esquecido

Do «Pórtico» original de A Selva, datado de Fevereiro de 1930

*Parto-o em três: o primeiro fragmento será a reflexão sobre o efeito que a vivência na Amazónia (1911-1914) teve em si, fazendo jus a todo o romance.

*«É bem certo que conduzimos ao longo da vida muitos cadáveres de nós próprios.» -- assim se inicia este preâmbulo, remetendo ora para o pavor da criança afastada da aldeia natal e desterrada naquela brenha, ora para os traumas persistentes no agora escritor, que ali chegou menino e se fez homem antes de a idade e os documentos lhe certificarem a adultez: «A minha vida tem andado cheia dêste pesadelo. Esqueço-me de mim, mas não me esqueço da selva. Dominou-me com o seu mistério e com a sua soberania; não a evoco sem um estremecimento de pavor. Cá a tenho, cá a tenho a romper o optimismo com que procuro cobrir, para menor sofrimento, o pessimismo e a morbidez que ela me deu.»

*Uma explicação possível para a eliminação deste trecho, demasiado bom para ser esquecido: a vontade de afastar o mais possível uma conotação autobiográfica.

*Elejo um segundo fragmento, que grosso modo persiste até hoje: «Eu devia êste livro a essa Amazonia longínqua e enigmática [...]», evocando em seguida os «anónimos» cearenses e maranhenses, os retirantes nordestinos que saíam em desespero da sua terra pobre e parca para um território desumano e desmesurado.

*Um último trecho, também retirado posteriormente: uma parte é transferida para o prefácio da 4.ª edição de Emigrantes; a outra alude à polémica que este romance já suscitara nos meios nativistas brasileiros. Castro espera que o mal-entendido se houvesse desvanecido: «As gentes do Ceará e do Maranhão, que trocam a sua terra pela Amazonia, não são menos desgraçadas que os nossos camponeses, que trocam Portugal pelo Brasil.»

* Enganara-se: A Selva suscitaria ainda mais a fúria dos nacionalistas de vistas estreitas e prosápia incontinente, dos verde-amarelistas cretinos, como, na ocasião, os qualificou José Lins do Rego.