Showing posts with label O Natal em Ossela. Show all posts
Showing posts with label O Natal em Ossela. Show all posts

Monday, July 14, 2025

outras palavras

«Não é preciso, sequer, ser muito velho para, semicerrando os olhos, ver passar intérmino e esfumado cortejo de figuras que, um dia, se projectaram em determinado estado da nossa existência. Mas, de tantas, ficam muito poucas gravadas no coração.» «Delfim Guimarães» (1934)

«Eu sentia um respeito enorme por tudo aquilo e estava envergonhado. Sentei-me a uma das carteiras e, não tendo coragem de levantar os olhos, fixei-os no abecedário, que crescia e se deformava constantemente. Nesses primeiros dias, a minha única distracção era seguir as moscas que passeavam no sujo rebordo do tinteiro.» [Memórias] (1931) 

«Lá em baixo, corre o Caima, mas também a ventania lhe assimila o rumor da água nas suas quedas e serpenteios, por entre pedras limosas, enormes como ovos de ave mitológica. / Só o vento existe. Anda a bramar nos pinheiros das declividades, nos castanheiros da Felgueira, nos rochedos, nas locas, por toda a parte.» «O Natal em Ossela» (1932/1974)

Monday, June 16, 2025

outras palavras

«Mas lembro-me, nitidamente, da minha entrada na escola. Lá estava, ao fundo, à secretária instalada sobre um estrado, o sr. professor Portela. Era gordo e de cara muito branca e fofa. No primeiro plano, as carteiras com os alunos chilreantes. Alguns conhecia-os eu cá de fora. Mas tomavam ali, para a minha timidez, o papel de inimigos.» [Memórias] (1931)

«De onde seria o ramo que ia em procura do tronco familiar? De Castelões? Da Gandra? De Arouca? Viria do Porto, de Estarreja, de Lisboa? Em todo o vale flutuava, então, o segredo. Hoje, com os automóveis, quem passa, passa; a sua vinda não lembra sacrifício; tudo vai depressa, já não há distâncias e anda-se pouco ao frio.» «O Natal em Ossela» (1932/1974)

«Uns, não voltamos a encontrá-los jamais; outros, um dia, ao dobrarmos um dos ângulos do mundo, topamos com eles e, por pequeno que haja sido o convívio, a nossa emoção é tão grande como se em vez duma vida alheia encontrássemos um trecho pretérito da nossa própria vida -- vida que vivemos outrora e da qual já não somos mais do que uma precária lembrança.» «Delfim Guimarães» (1934)

Monday, April 21, 2025

outras palavras

«Antigamente os carros, puxados por cavalos, tinham outro mistério. Ouvia-se à distância o seu rodar e só se deixava de ouvir quando já iam muito longe. De passagem, se o vento não era forte, enchiam de ecos o vale. E enquanto se escutava o ruído das ferraduras nas pedras da via e a cantilena das rodas, ficávamos todos a pensar na figura que alarmava a noite, muito embrulhada e metida no canto do "coupé".» «O Natal em Ossela» (1932/1974)

«Passa tanta gente, tanta! Passa tanta gente nos caminhos do planeta, tanta gente que conhecemos ao longo da vida! Uma mão que se apertou, umas palavras que se trocaram, uma amizade que aflorou, aqui, ali, a norte, a sul, neste e naquele país, neste e naquele continente.» «Delfim Guimarães» (1934)

«É esta a minha primeira recordação. E foram de ódio e de sofrimento as primeiras sensações que a vida me deu. Eu tinha quatro anos e meio. Aos seis fui para a escola. Era de inverno. Ia de chancas, friorento, enroupadito. Creio que foi minha mãe quem me acompanhou até meio-caminho. Não me recordo bem.» [Memórias] (1931)

Wednesday, January 29, 2025

outras palavras

«Inventou-se então a prisão... E... Na sua mesquinhez os mesquinhos aureolaram os Grandes: -- Como um morganho colocando uma coroa de louros na cabeça dum leopardo. E o leopardo por bonomia deixar-se quietar. / A prisão é uma coroação de todos os tempos. Não se enjaula um verme mas os leões.» Mas... (1921) 

«Porquê, em vez de me proteger com a sua força, ele estimulava minha mãe a castigar-me ainda mais? Porque era ele tão mau e porque sorria vendo-me sofrer, se eu nunca lhe tinha feito mal? / É esta a minha primeira recordação. E foram de ódio e de sofrimento as primeiras sensações que a vida me deu. Eu tinha quatro anos e meio.» [Memórias] (1931)

«Mas a treva não deixa ver a neve. Traço branco, só o da estrada que golpeia a meia encosta, aqui pertinho, o grande fundo preto. Às vezes passa, veloz, um automóvel. Mal se distingue. O ru-ru do motor é rapidamente integrado na lúgubre barulheira geral. Parece uma lufada mais forte do vento que está carpindo, no vale inteiro, a sorte de não se sabe quem.» O Natal em Ossela (1932/1974)

Thursday, December 12, 2024

outras palavras

«Sopra na telha vã, arrepia os colmados, passa e torna a vir -- vu-vu-vuuu -- como uma obsessão. A concha trouxe consigo toda a orquestra do mar. / Deve haver neve na Felgueira. E também cá para trás, para as bandas de S. Martinho, os caminhos devem estar cobertos de códão, estralejando sob as chancas de quem se meta pela noite negra.» «O Natal em Ossela» (1932/1974), Os Fragmentos 

«A diabrura que pratiquei, desvaneceu-se no esquecimento; mas lembro-me, sim, que minha mãe, saindo do quinteiro e agarrando-me por um braço, castigou-me. Passava na estrada, enxada ao ombro, um homem alto, bigodes retorcidos festonando as faces trigueiras. Deteve-se, sorriu e disse: / -- Assim é que é, senhora Mariquinhas! Nessa idade é que eles se ensinam. / Odiei aquele homem.» [Memórias] (1931)

«Na luta alcançativa destes três Deuses apareceram Grandes, que às vezes esquecemos a sua qualidade de micróbios, para admirarmos as suas audácias na conquista do Querer, do Desejar, do Possuir. Mas os minusculamente pequenos, insignificantes ensimesmados, na sua estupenda quantidade numérica chegam a ser incomensuravelmente maiores que os Grandes...» Mas... (1921)

Wednesday, November 06, 2024

outras palavras

«E o vale aumentou em extensão e profundidade. Parece que todo o mundo está aqui, na sombra imensa. Almas, desesperos, ambições, impotências -- e a trégua desta noite, em volta da lareira. Parece que não há mais nada. / Mas o vale chora, clama, geme sempre. Vu-vu-vuuu, a ventania fustiga o esqueleto das árvores, os pomares despidos de folhagem, os choupos esgrouviados,, os amieiros que debruam o Caima.» «O Natal em Ossela» (1932/1974), Os Fragmentos 

«A terra cadáver imenso de pré-histórico monstro é refocilada por legiões intermináveis de parasitas: -- todo o reino animal. Que, como os últimos brasidos deixa evolar sobre a própria lama do sugar, um clarão: -- Do Querer, do Desejar, do Possuir.» «Mas... a prisão é a coroação», Mas... (1921)

«É em 1902 que começo a povoar o museu da minha vida, a decorar a galeria das recordações. / Foi numa tarde de sol -- tarde de luz forte que eu vejo ainda -- que dei início à tarefa. Eu brincava na estrada amarela que corria ao longo da casa onde nasci.» [Memórias] (1931)



Jaime Brasil (dir.), Ferreira de Castro e a Sua Obra
(inclui as «Memórias»)
Capa de Roberto Nobre (1931)


Monday, October 21, 2024

outras palavras

«O vale ampliou-se com a noite. Não se vê, lá ao fundo, a Felgueira, que de dia cerra o horizonte com a sua lomba enorme. Não se vêem os contrafortes de Santo António, bordados de pinheiros, nem os da Frágua, com as suas casuchas, nem os do Crasto, onde se ergue uma capelita branca. Sumiu-se tudo no negrume.» «O Natal em Ossela» (1932/1974) - Os Fragmentos

«Eu nasci a 24 de Maio de 1898. Mas, quando penso na minha idade, sinto-me sempre mais novo, sinto-me sempre beneficiado por quatro anos a menos. São quatro anos iguais a uma noite escuríssima, onde não é possível acender luz alguma. Não os viveu o meu espírito. Não estão na minha memória. Não me pertencem. Para a minha realidade espiritual eu tenho apenas 28 anos.» [Memórias] (1931)

«MAS... a prisão é a coroação  É presa a terra como um globo flutuando num copo d'água. O mundo tem limites e toda a Glória ou toda Vontade ilimitada é um sarcasmo ao próprio mundo: -- Esboroa-se como um corpo num abismo, terminando onde o mundo finda.» Mas... (1921)



Edição ilustrada por Capi (2023)


Friday, December 15, 2023

O NATAL EM OSSELA

Uma edição do CEFC.
Ilustrações: Capi

 

Wednesday, December 07, 2022

Tuesday, February 23, 2016

I de inéditos -- Para um Dicionário de Ferreira de Castro

À data da sua morte*, em 29 de Junho de 1974, Ferreira de Castro deixou inédito, pronto para publicação Os Fragmentos* -- Um Romance e Algumas Evocações, editado ainda nesse ano. O romance é O Intervalo*, escrito cerca de 1936, protagonizado por um sindicalista da extinta Confederação Geral do Trabalho (CGT), Alexandre Novais, e cuja acção decorre na Andaluzia, por ocasião da Revolta de 1931 -- narrativa que não tinha qualquer possibilidade de vir a lume durante o Estado Novo, muito menos à época em que foi escrito, no dealbar da Guerra Civil de Espanha.
As Evocações de Os Fragmentos são a evocação de Ossela, com «A Aldeia Nativa», girando os restantes em torno da Censura*: o «Historial da Velha Mina», a «Origem de "O Intervalo"»* e, em extratexto, as quatro páginas de «O Natal em Ossela», crónica censurada num número de O Século, por ocasião da quadra.
Outro inédito, redigido na mesma época, e só vindo a público em 1994, foi a peça Sim, Uma Dúvida Basta*, escrita a convite de Robles Monteiro, e censurada já em fase de montagem, que tratava de um caso de actualidade nos Estados Unidos, em torno da pena de morte.
Outros fragmentos ficaram inacabados, e nunca conheceram a tipografia: o romance O Navio (ou Classe Única), que se quedou pelos capítulos iniciais, um outro que não terá passado de esboços, A Pólvora e uma peça que Ferreira de Castro, no início da década de 1920, levou a concurso promovido pelo Teatro Nacional, intitulada O Mais Forte, classificada em "mérito absoluto" pelo júri.
Ainda da fase brasileira, há um curioso bloco de apontamentos, intitulado Impressões de Viagem Quando Eu Trabalhava num Navio (1915) -- "Cassiporé", já estudado por Bernard Emery.

Bib. a consultar: Bernard Emery e Clara Campanilho Barradas.

    (a desenvolver)

Tuesday, July 21, 2009

Gloria In Excelsis -- Histórias Portuguesas de Natal

Gloria In Excelsis -- Histórias Portuguesas de Natal, apresentação e selecção de Vasco Graça Moura, Lisboa, Público - Colecção Mil Folhas, Dezembro de 2003.

Textos: Andrade Ferreira, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, D. João da Câmara, Abel Botelho, Fialho de Almeida, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro [«O Natal em Ossela», pp. 143-146], Vitorino Nemésio, José Régio, José Rodrigues Miguéis, Domingos Monteiro, Miguel Torga, Manuel da Fonseca, Jorge de Sena, Maria Judite de Carvalho, Natália Nunes, José Saramago, Urbano tavares Rodrigues, Alexandre O'Neill, Altino do Tojal e José Eduardo Agualusa.