Tuesday, January 31, 2012

Sete Cartas de Luís Cardim a Roberto Nobre (4)

Ao contrário daquele que foi o mais celebrado crítico de cinema do seu tempo, a posição de Cardim é mais prudente. Decerto, não deixa de tecer elogios ao filme, à probidade do realizador, notando «o estudioso cuidado com que ele se preparou -- como aliás lhe cumpria -- para o alto cometimento, lendo, evidentemente, o que de melhor se tem escrito sobre o assunto [...]» (2)

Luís Cardim, Os Problemas do «Hamlet», p. 85.

(postado também aqui)

Friday, January 27, 2012

Vítor Viçoso, A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA – AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (10)

O Realismo de Eça de Queirós, e o naturalismo de Abel Botelho, entre outros, tiveram igualmente uma enorme influência, com a diferença de que com Queirós e Botelho o povo era objecto da história, enquanto que agora passava a sujeito e actor da história, procedendo àquilo a que o autor designa como «a desocultação de um tradicional bucolismo pacificador e redentório» (p. 39). O campo deixa de ser visto primordialmente como o locus amoenus que nunca foi para passar a ser o cenário de conflito que nunca deixou de ser.

Wednesday, January 25, 2012

Castro & Ferro

António Ferro e Ferreira de Castro
década de 1920, pormenor de  foto de grupo
in Mafalda Ferro e Rita Ferro, Retrato de uma Família
Lisboa, Círculo de Leitores, 1999.

Tuesday, January 24, 2012

Canções da Vendetta (4)

Nestes Pequenos Mundos a Córsega é largamente tratada em capítulo próprio; mas um ano antes publicava-se em Lisboa um pequeno opúsculo sobre as canções da ilha de Napoleão, que é hoje uma raridade bibliográfica.
Apresentação de Canções da Corsega, 2.ª edição, Sintra, Camara Municipal / Museu Ferreira de Castro, 1994.

Sunday, January 22, 2012

Vítor Viçoso, A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA -- AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (9)

E já que nos referimos a José Régio, aproveito para abordar o lastro de que o Neo-Realismo pôde lançar mão para tornar-se no mais marcante movimento literário português no que ao romance diz respeito. Como sublinha Vítor Viçoso, o Neo-Realismo vai beber ao lirismo romântico a atenção pelo património cultural do país, preocupação de Almeida Garret com o seu Cancioneiro exemplo que teria sequência depois dele e, no Neo-Realismo, principalmente com Alves Redol e Fernando Lopes-Graça (Lopes-Graça que, quanto a mim, foi um presencista nas fileiras do Neo-Realismo…).

Thursday, January 19, 2012

no país da infância

 Estendido onde a sombra lhe parecera mais agradável, Manuel da Bouça seguia o trabalho da ave e recordava o tempo da infância, já distante, em que vasculhava veigas e montes à busca de ninhos, só pelo prazer de os descobrir e disso se vangloriar ante o rapazio do lugarejo. Outrora não teria hesitado e, zape-zape, pinheiro arriba, iria ver em que estado se encontrava o novo berço e voltaria, depois, pelos ovos ou pelas avezitas ainda implumes, as pálpebras cerradas e o biquito glutão semiaberto ante qualquer ruído. Mas, hoje, só se fosse em pinheiro baixo e de gaio ou de rola, que eram bons com arroz.
     Felizes esses tempos em que pastoreava a cabra pelas barrocas, roubava maçãs na quinta do Almeida e seguia, na Primavera, o voo dos pássaros de ramo em ramo!

     Ferreira de Castro, Emigrantes, 24.ª edição, Lisboa, Guimarães Editores, 1988, p. 20.
 
 
imagem: Manuel da Bouça, visto por Albano Ruela.

«...esta necessidade permanente de assistência afectiva...» [A correspondência entre Ferreira de Castro e Roberto Nobre] (4)

Tentou viver em Lisboa, na primeira metade da década de vinte. Os primeiros anos foram auspiciosos, uma vez que sai vencedor de um concurso de desenhos promovido pelo clube «Bristol».

Ferreira de Castro e Roberto Nobre, Correspondência (1922-1969), Lisboa, Editorial Notícias e Câmara Municipal de Sintra, 1994, p. 8.

Tuesday, January 17, 2012

A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA -- AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (9)

É interessante vermos que ambas as posições, bukharinista e jdanovista, parecem ter a sua tradução nacional: Mário Dionísio caracterizando o Neo-Realismo como uma «síntese do Romantismo e do Realismo no quadro de uma apropriação e superação da nossa tradição literária.» […] isto é: «Descrever o real e contaminá-lo com o sonho […]» (p. 30), parece-me estar mais próximo de Bukhárine, enquanto que Álvaro Cunhal – no confronto com José Régio, nas páginas da Seara Nova, em 1936, ou na polémica interna do Neo-Realismo esgrimida nas páginas da Vértice, coadjuvando, a partir da prisão, pelo brilhante e ultra-ortodoxo António José Saraiva, contra João José Cochofel, Fernando Lopes-Graça e outros –, é claramente a personificação da rigidez doutrinária.

Sunday, January 15, 2012

Cartas Inéditas a Ferreira de Castro (2)

Persistimos na correspondência. A epistolografia, género literário ela própria, é também uma fonte importante para a biografia de um autor e melhor conhecimento da mentalidade de uma época. Tem, assim, o grande mérito de aliar à fruição de um texto (muitas vezes) literário o acumular de informações veiculadas por um documento.

Cartas Inéditas a Ferreira de Castro, separata de Vária Escrita #1, Sintra, Câmara Municipal, 1994, p. 113.

Friday, January 13, 2012

Vítor Viçoso, A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA -- AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (8)

* outro evento de grande alcance para a história do neo-realismo, foi o congresso da União de Escritores Soviéticos (1934), que teve Máximo Gorki como figura tutelar, apresentando o realismo socialista como «antídoto contra a decadência da literatura burguesa» (p. 23), tipificada por Karl Radek com Marcel Proust ou o James Joyce (dois autores referenciais para a presença); ao mesmo tempo, Nicolai Bukhárine procurava, numa intervenção, conciliar o realismo socialista com a aspiração lírica romântica. Mas o que ficaria do congresso seria a posição dirigista de Andrei Jdanov de que a literatura deveria reflectir o real no contexto da dialéctica revolucionária, desenvolvendo o conceito de «herói positivo», sem contradições, estribado na firmeza ideológica; um código de conduta com graves consequências para a arte soviética, condicionando e/ou reprimindo dezenas de artistas – e alguns dos maiores da cultura mundial: de Eisenstein a Prokofiev e Shostakhovich.

Thursday, January 12, 2012

100 CARTAS A FERREIRA DE CASTRO (3)

São passados em revista os tempos heróicos , de escrita fulgurante, do jornalismo dos anos vinte e das primeiras tentativas literárias de um escritor fazendo-se a si próprio, procurando o beneplácito de figuras então consagradas, muitas hoje esquecidas, ignoradas quase todas; a primeira consagração, com Emigrantes, em 1928; a atribuição do Prémio Ricardo Malheiros a Terra Fria, em 1934; as inúmeras traduções e o reconhecimento internacional; uma cuidada edição das Obras Completas, como até então não se vira em nenhum outro escritor português; a leitura  que Portinari fez da Selva para a edição comemorativa de 1955; a presidência da Sociedade Portuguesa de Escritores, entre 1962 e 1964; a candidatura, com Jorge Amado, ao Nobel da Literatura, em 1968, e o Prémio Águia de Ouro, em 1970; finalmente, o escritor tornado modelo, mestre, referência para os mais novos colegas de ofício, mesmo quando as preocupações estéticas não coincidiam.

Sintra, Câmara Municipal / Museu Ferreira de Castro, 1992, p. 5.

Thursday, January 05, 2012

Vítor Viçoso, A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA -- AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (7)

[Um aparte: faz-se sentir a necessidade de um estudo de conjunto sobre o campo cultural do Estado Novo, não apenas na literatura, como nas artes plásticas, no cinema ou na música – campo que tem nomes importantíssimos, também eles pertencentes ao nosso património histórico-cultural: Almada Negreiros, Joaquim Paço d’Arcos, Francisco Costa, Luiz Forjaz Trigueiros, António Lopes Ribeiro, Ruy Coelho e tantos outros.]

Tuesday, January 03, 2012

A propósito dos Açores nos PEQUENOS MUNDOS

Um artigo de Dora Nunes Gago, que capta de forma feliz o espírito erramundo de Ferreira de Castro:

«Em suma, é não apenas através do olhar, mas convocando todos os outros sentidos, e, sobretudo, o coração que Ferreira de Castro esboça estas  "aguarelas" do arquipélago dos Açores. Pinturas tecidas de palavras, onde os espaços são dotados de alma (espelho da sede humanista do autor), reveladoras do deslumbramento provocado por momentos tecidos de magia, como se pertencessem verdadeiramente a um outro mundo, etéreo, diáfano e primordial.»

1 e 2

Monday, January 02, 2012

FERREIRA DE CASTRO, AGITADOR NO BRASIL (4)

Como os operários das fábricas inglesas na Revolução Industrial, também os seringueiros se enchiam de dívidas ao patrão, que lhes vendia géneros e artefactos, com os preços devidamente inflacionados. O dinheiro era coisa que minguava, e a borracha estava em queda nos mercados internacionais. Sem saldar a dívida ao patrão era impossível abandonar o seringal e voltar para a terra de origem.

O Jornal, Lisboa, 2 de Novembro de 1990.