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Tuesday, September 16, 2025

dos Pórticos

«Era o nosso interesse pelo próprio homem, pelo seu drama biológico, pela inquietude do seu espírito e pelo seu progresso num planeta sempre hostil, que nos impelia a nós, que amamos a luz, as cores da vida ao ar livre e, sobretudo, o futuro, para essas soturnas galerias do passado onde se expõem, em vários museus do Mundo e num ambiente de mausoléu, as esculturas mesopotâmicas e egípcias, com o seu quê de vultos de pesadelo, mágicos e imobilizados, na penumbra que os cerca.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Quando um final de infância agitado me levou ao Amazonas, a minha aldeia nativa, aqui, em Portugal, de tão distante e envolta na nostalgia, parecia-me uma ilusão. Só os carimbos das cartas que eu recebia me traziam a certeza de que não fora apenas sonho a minha vida até esse momento -- de que o berço existia, florido, atraente, para além da selva, para lá do Atlântico.» A Selva (1930)

«No corpo pequenino, os nossos olhos, que haviam de ficar sempre tristes, esqueciam-se horas a fio, a sonhar com a distância infinita, ante essa linha verde-azul do Oceano longínquo. Tudo quanto existia para lá da nossa vista nos parecia fabuloso e nos fascinava irremediavelmente.» A Volta ao Mundo (1940-44)

Friday, August 22, 2025

errâncias

«Ao ver impresso, aqui e ali, o nome do pequeno país, sinto-me puerilmente comovido, como se fosse encontrar, após longas pesquisas, um ser amado, até esse momento perdido no Mundo... O dia mostra-se esplendente quando deixo as termas, com as suas ruas mui limpas e claras, suas árvores penteadas, todo esse ambiente garrido, luminoso, aguarelado, das vilas de águas francesas, que dir-se-ão passadas a ferro para seduzir os hóspedes.» «Andorra» [1929], Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«Entramos, pois, no "Parador Gil Blas", que celebra o herói do famoso romance de Lesage. É, também, um velho palácio que o turismo adaptou a hotel. Do fundo da sala, envidraçada e com o seu todo de jardim-de-inverno, a governanta vem ao nosso encontro, alta, distinta e de olhos negros, sonhadores, como requer um albergue de bom nome literário.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Já no Atlântico, contornando a costa portuguesa e, depois, a espanhola, os passageiros que vêm de Nova Iorque entregam-se aos jornais ingleses, recém-comprados em Lisboa, reunindo-se, à noite, não em frente da orquestra, que toca, solitária, no grande salão, , mas juntos dos aparelhos que espalham notícias do Mundo convulso.» A Volta ao Mundo (1940-44) 

Tuesday, August 12, 2025

errâncias

«Santilhana do Mar não tem Cafés. Na Idade Média, a Europa desconhecia a bebida negra e estimulante, boa companheira, inimiga dos nervos frouxos e das noites de chumbo; e, mesmo que a conhecesse, nunca os aristocratas de Santilhana sairiam dos seus palácios, tão adornados de panóplias como de preconceitos de castas, para irem amesendar-se na sala democrática dum Café, onde se compra a igualdade humana por alguns níqueis apenas.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Inúmeras ameaças transitam no ambiente que respiramos, no que se ouve e se lê, nas paixões e nas cobiças que emprestam ao nosso tempo uma angústia mais densa do que a de velhas eras. / O "Saturnia" desce, lentamente, o Tejo e, à direita, entre as velas do rio, fulge a Torre de Belém, símbolo do país das grandes viagens. Mais abaixo, a luz vespertina enche de colorido as vivendas do Estoril, enquanto lá ao fundo, na serra de Sintra, irisada bruma dá ao castelo um aspecto fantástico.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«No dia seguinte, larguei de Toulouse em direcção a Ax-les-Thermes. O castelo de Foix, projectando a sua sombra sobre o Ariège, serve de guarda avançada, de vetusto guardião a uma paisagem deslumbrante. O comboio eléctrico passa por Hospitalet e vai até Puigcerdá, já em Espanha. Mas eu desço em Ax-les-Thermes, onde se começa a fazer, timidamente embora, propaganda turística da Andorra misteriosa.» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) -- «Andorra» [1929]

Tuesday, July 22, 2025

errâncias

«Nós vamos ver, agora, o planeta que eles devassaram em todas as direcções há quase cinco séculos, e, para se iniciar a volta ao Mundo, bom é o porto de onde largaram aqueles que o Mundo andaram a descobrir. Como nessa época já remota, os mesmos mares estão prenhes de mistério, estão hoje povoados de monstros e estes verdadeiros; monstros de ferro e aço, aos quais uma palavra bastará para exercerem a sua acção de morte.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«O encanto desta viagem à aventura, das poucas, senão a única, que a indústria do turismo ainda não destruiu na Europa, rompeu-se, uma noite, na redacção de La Dépêche, em Toulouse. Um dos redactores, que já tinha peregrinado pelos confins do Ariège, disse-me que, como eu supunha, Hospitalet, aldeiazita francesa sepultada nos Pirenéus orientais, dava acesso a Andorra. Não havia, porém, estradas... E, quanto a passaporte, nenhum visto se exigia...» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) «Andorra» [1929]

«"Voltaremos mais tarde, com calma" -- garantimos a nós próprios, para nos redimir das ásperas censuras que nos fazemos. E saímos a passos largos, ansiosos de matar a curiosidade maior, enquanto à porta do claustro, o padre-guia da colegiata, de dedo estendido e olhos móveis, conta e reconta os novos visitantes, não vá algum estar ali sem haver pago a entrada.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63) 

Friday, July 18, 2025

dos «Pórticos»

Não chegámos a rematar o último acto, porque outra peça, escrita anteriormente, nossa frágil asa de esperança, classificada muito embora num concurso, não conseguira céu aberto para voar. A juventude que então arvorávamos não convencia ninguém e uma timidez desprotegida impedia-nos todos os passos em direcção aos empresários.» A Curva da Estrada (1950)

«A solidão enchia-se dos seus uivos e a neve reflectia a sua temerosa sombra. A serra, porque só a pé ou a cavalo se podia vencer, parecia incomensurável, muito maior do que era, e de todos os seus recantos, de todos os seus picos e refegos brotavam superstições e lendas -- histórias que os pegureiros contavam, ao lume, a encher de terror as noites infindas.» A Lã e a Neve (1947)

«Desse bravo sítio, onde desejamos repousar para sempre, face ao sol e ao fulgor das estrelas, via-se, lá em baixo, branquejar a casita nativa, quase a entestar o afogado vale; e, da banda oposta, outras várzeas, outros povoados, outros cerros, maravilhosa sucessão de planos, formas e cores, tudo laborado pela mão do Homem. Ao fundo, esboçava-se o grande sortilégio, o Mar, o imã que nos atraía ali.» A Volta ao Mundo (1940-44)  

Monday, June 09, 2025

errâncias

«Havia de entrar, sucedesse o que sucedesse! Como contrabandista, como refugiado político, de dia ou de noite, a pé ou de avião -- de qualquer maneira!» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«Há muito tempo que temos pressa. E, agora que estamos perto, a dois ou três quilómetros apenas do íman, não nos podemos dominar. / Vemos os antigos bastiões, a colegiata magnífica, cheia de preciosidades acumuladas desde o século V, e o nosso açodamento, numa imperdoável deslealdade com as riquezas que nos cercam, aumenta sempre.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«O navio, o primeiro das duas dezenas que devíamos utilizar, larga às três da tarde. No cais, os nossos amigos acenam-nos os últimos adeuses. E, por detrás, nas suas sete colinas, espairece ao sol a velha cidade de Lisboa. / Outrora, estes outeiros, vestidos de polícromo casaredo, viam partir os homens em frágeis caravelas, rumo ao desconhecido, que os oceanos eram, para eles, tão fabulosos como o foram, um dia, para os nossos olhos de menino.» A Volta ao Mundo (1940-44)

Thursday, April 24, 2025

errâncias

«Vamos olhando as maravilhosas "rejas" de ferro forjado, os portões solenes, as soberbas realizações arquitectónicas, todo este conjunto sóbrio e belo; e sentimos, ao mesmo tempo, que atraiçoamos Santillana, que menosprezamos o seu grande interesse artístico, atraídos e apressados por outra fascinação.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Poderemos ver e estudar, durante quanto tempo quisermos, os seres e as coisas do Globo, sem ouvirmos o silvo do paquete em que os outros são forçados a partir. Traçamos, é certo, o mais incómodo e longo itinerário que se pode fazer, mas, também, o mais fascinante e fecundo, pelos povos que nos permitirá observar, alternando os centros urbanos, onde rutila a civilização, com os fundões da terra, onde a vida do Homem se encontra ainda selvagem, como se acabasse de surgir, de olhos e alma ofuscados, perante o Sol que a todos alumia.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«O sub-prefeito chegou a mandar buscar o Larousse, só não o consultando porque eu lhe afirmei já saber de cor as palavras do nobre dicionário... / Na tarde desse dia resolvi continuar a ascensão dos Pirenéus. Impossível me parecia que, na última povoação indicada no mapa como vizinha de Andorra, ninguém me soubesse dizer a rota a seguir. E atrás não voltaria!» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) - «Andorra» [1929]

Wednesday, February 19, 2025

errâncias

«Depois de exame feito a todos os programas que outros teceram, a todos eles renunciamos e estabelecemos programa próprio, sem compromisso algum com armadores, livres, completamente livres. Visitaremos, assim, os países que ilustram as viagens em redor do Orbe, organizadas por companhias de navegação, e também aqueles, de denso valor humano,, artístico e histórico, que nessas viagens nunca figuram.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«Havia lido, não sei em que absurda gazeta, ser o bispo desta cidade quem dava o santo e a senha para se entrar na república patriarcal. Sondada, porém, aquela dignidade eclesiástica por Monsenhor Costa, velho emigrado português e director de uma das piscinas de Lourdes, a resposta foi negativa. Dirigimo-nos, então, à Compagnie du Midi e. finalmente, à Prefeitura. Nada! Para eles como para mim, Andorra só existia no mapa!» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«-- É a marquesa X, surda e louca -- dizem-nos e nós temos dificuldade em vencer a súbita ideia de que se trata duma ressuscitada que está ali apenas para completar o ambiente  e que o seu vaivém soturno é uma forma de impaciência, enquanto ela espera que se reabra o túmulo.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63) 

Thursday, February 06, 2025

errâncias

«Em Bayonne, deixei de estranhar a ignorância encontrada em Lisboa e no Bureau National du Tourisme, em Paris; ali, primeira grande porta dos Pirenéus, nada se sabia também sobre os caminhos que conduzem a Andorra... E em Lourdes, a mesma incerteza. Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«Sujeito está a quedar-se apenas dois dias onde desejaria demorar-se duas semanas e duas semanas onde onde lhe bastaria ficar dois dias apenas. E a menos que possa seu tempo perder, este viajante solitário verá, enervado, partir o navio único de sua conveniência, que não é, geralmente, o navio que ele tem direito a tomar.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«Numa janela alta, vemos um rosto colado ao vidro. Num pátio, um vulto negro que se esgueira. Mais adiante, em sala de rés-do-chão, a figura escura e desgrenhada de mulher que se passeia incessantemente dum lado a outro, com as pupilas sempre fixas na parede para onde avança e de todo alheia a quem a segue cá de fora.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-1963) 

Wednesday, January 08, 2025

errâncias

«Interessado pela psicologia de todos os povos minúsculos, eu queria conhecer a vida e os costumes desse povo que quase ninguém conhecia -- nem mesmo aqueles que se vangloriavam de ter debruçado a sua curiosidade por todas as varandas do Mundo.» «Andorra», Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) 

«Toda a velha Espanha, pesada de orgulho, carregada de religião, de força e de prejuízos, nos legou aqui a síntese desse tempo. / A cidade é ainda habitada, mas não o parece. Raramente se vislumbra alguém nas ruas e aqueles que vivem nos seus remotos palácios dir-se-ão membros duma população de espectros.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63) 

«Há, também, "A volta individual ao Mundo". Companhias de navegação, para o efeito ajustadas, acordaram vender trânsito marítimo, com diminuídos preços, aos que pretendem rodear a esfera terrestre e voltar ao ponto de partida. Viagem menos cómoda do que a outra, quem a realiza torna-se servo não do muito ou pouco interesse do sítio visitado, mas da entrada e saída dos navios em que o seu bilhete lhe permite embarcar.» A Volta ao Mundo (1940-44)

Thursday, December 05, 2024

dos «Pórticos»

«Foi numa peça de teatro, pobre massa embrionária, que colocámos pela primeira vez, tínhamos nós vinte e dois anos, a interrogação que constitui a trave mestra deste livro. Em França, em 1848, um homem, que havia sido republicano durante a Monarquia, tornara-se monárquico logo que a Segunda República alvorecera e disparara a combater esta e a defender aquela com os mesmos ardorosos modos com que antes fazia o inverso.» A Curva da Estrada (1950)

«Pequeno, dez, onze anos melancólicos e tímidos, subíamos ao cume da serra que padroa a casa onde nascemos e ali, entre urzes e pinheiros nos quedávamos a contemplar vizinhas terras. Sete quilómetros, apenas, havíamos percorrido do Mundo em que vivemos; o que hoje se ergue perto parecia-nos a nós distante, mas nós já sonhávamos ir muito mais longe ainda.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«Os primeiros teares criaram-se, em já difusos e incontáveis dias, para a lã que produziam os rebanhos dos Hermínios. O homem trabalhava, então, no seu tugúrio, erguido nas faldas ou a meio da serra. No Inverno, quando os zagais se retiravam das soledades alpestres, os lobos desciam também e vinham rondar, famintos, a porta fechada do homem.» A Lã e a Neve (1947)

Wednesday, December 04, 2024

errâncias

«Tudo se apresenta moreno ou ocre. É uma cidade heráldica, palácio a seguir a palácio, brasões em todas as fachadas, residências dos grandes senhores que se afastaram do povo, criando um mundo só para eles, um mundo altivo, onde em concorrência de vaidade e de poderio, cada qual procurou construir melhor e mais ostensivamente.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«De Hong-Kong, o navio, que, até ali, só fundeou nas extremidades dos continentes, despede, a toda a brida, para algumas ilhas do pacífico, ansioso de transpor o Panamá e em Nova Iorque lançar âncora, férreo ponto final em superficial capítulo. Assim é "A Volta ao Mundo colectiva", cruzeiro de luxo por mares distantes.» A Volta ao Mundo (1940-44) 

«Havia um recurso: ir lá. mas ir como? Os mapas afirmavam a existência do povo remoto; os guias dos caminhos-de-ferro negavam-na terminantemente. Nas agências de viagens, os funcionários, interrogados, olhavam-nos com reservas, não fosse estarmos a caçoar com eles... / Um dia, porém, resolvi abalar de Paris, convencido de que havia de chegar a Andorra.» «Andorra», Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

Thursday, November 14, 2024

errâncias

«Não se cura de revelar o Mundo aos passageiros e sim de lhes permitir dizer aos amigos que eles deram a volta ao Mundo. Viagem de bom conforto, nas cidades visitadas esperam guias e automóveis, que levam os curiosos aos monumentos principais e, depois, os reconduzem a bordo, para que se lavem da poeira do Oriente, jantem bem e bailem até de madrugada, enquanto o talha-mar vai singrando em direitura a outro porto.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«Não. Ia-se muito longe, devassavam-se os mais distantes recantos do planeta, mas a Andorra, que estava perto, manando, possivelmente, inéditas emoções, ninguém ia, ninguém pensava ir. Nasceu, assim, a minha curiosidade, que, a princípio, tentei saciar com papel impresso. Foi desejo quase inútil, pois da bibliografia andorrana, pequena como o país, dificilmente se encontrava em Portugal obra de jeito.» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«Lembra, por este mérito, o bairro dos cruzados em Rodes e Fatehpur Sikri, que foi capital da Índia e também permanece intacta, rutilando, escarlate e fantástica, sobre o topo duma colina. / Logo que entramos em Santilhana a nossa época desaparece. Os séculos medievos -- o XI, o XII, o XIII, o XIV -- abrem-nos as suas grossas portas, nas ruas em declive, e, então, a própria cor do nosso tempo se modifica.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-1963)



Capa do n.º espécime (1959)
Jan van Eyck, O Homem do Turbante Vermelho


Thursday, October 24, 2024

errâncias

«Ao longo da vida temos topado muitos homens que fumaram ópio na China, tomaram vodka na Rússia, miraram o Vale dos Reis e subiram aos Andes; nenhum, impenitente vagamundo fosse ele, que nos baforasse a frase célebre: "Corri Seca e Meca e os Vales de Andorra". Nenhum que houvesse desejado ver como aquilo era e por que vivia quase independente, há tantos séculos já, um país tão minúsculo, quando outros maiores têm sido anexados.» «Andorra», Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«Chega-se aqui e fica-se surpreendido, já que Santilhana, ao contrário da regra, ultrapassa tudo quanto sobre ela se leu ou se ouviu. Tem-se uma profunda sensação de descoberta. / Cidade medieval, esquecida do tempo, sem graves mutilações, sem pedras injuriadas, dir-se-á recém-saída de colossal redoma, que lhe conservou todo o seu carácter antigo.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-1963) 

«Mas da grande Índia mostra apenas Bombaím e Ceilão; da longa península de Malaca não se verá mais do que Singapura e da China imensa apenas a minúscula ilha de Hong-Kong. Outrora, ainda ele se aventurava a outras plagas. De ano para ano foi minguando, porém, as milhas da sua rota, que assim, passagens mais baratas, ajuntaria maior número de clientes.» A Volta ao Mundo (1940-1944)



Capa do n.º espécime, por Roberto Nobre (1940)


Wednesday, October 09, 2024

errâncias

«AS MARAVILHAS QUE O SOL NÃO VÊ. I RESSURREIÇÃO E GLÓRIA DE ALTAMIRA Erguida ao centro de verdes relvas, numa encosta suave, onde pastam vacas indolentes e voam corvos e pegas, Santilhana do Mar, a trinta quilómetros de Santander, é dos mais impressionantes burgos de toda a terra hispânica. Vendo-a, mal se compreende o seu débil renome e a pouca atenção que lhe prestam os arautos do turismo.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«INÍCIO Concertaram-se, na nossa época, várias formas para se dar a volta ao Mundo. Em anos de remansosa paz, um navio americano abala de Nova Iorque e, de casco branco, mastros festonados de gaivotas, ladeia Américas e Áfricas, detém-se, aqui, ali, em três ou quatro cidades, e corta, depois, o Índico.» A Volta ao Mundo (1940-44)


«ANDORRA Andorra foi sempre, na terra portuguesa e na Europa inteira, um tear de sorrisos. Por ser pequena? Por se ter conservado, através dos séculos, extática, enlevada, adormecida no seu berço de montanhas? Por ser ignorada? Nem sempre o que é grande é o mais belo; e a maior fascinação reside sempre no desconhecido.» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)


Capa do n.º espécime, por Roberto Nobre (1937)


Wednesday, December 30, 2015

H de Hevea brasiliensis - para um Dicionário de Ferreira de Castro

Hevea brasiliensis, árvore-da-borracha, seringueira, espécie originária da bacia do Amazonas, de onde se extrai o látex, matéria-prima para a produção de borracha e outros produtos derivados. A exploração intensa começa ainda na primeira metade do século XIX, originando, pela exclusividade brasileira da sua produção, um enorme fluxo de capitais, de que são exemplos as peças arquitectónicas que distinguem as principais cidades da região: Belém do Pará e Manaus, cuja Ópera é mundialmente famosa. Por ocasião da viagem planetária que efectuou em 1939, Castro terá oportunidade de confraternizar e fazer-se fotografar por esses seringueiros asiáticos, que com ele e com os sertanejos brasileiros fugidos da seca, se irmanaram no duro trabalho extractivo.
Brasil é o principal produtor mundial, embora já desde há muito não detenha o exclusivo da produção. No último quartel de Oitocentos, os ingleses promoveram plantações da seringueira nas colónias do Sudeste Asiático, estabelecendo-se uma concorrência que originaria a queda dos preços e consequente crise económica, cujos efeitos o jovem Ferreira de Castro sentirá na pele. Na pele e no espírito, pois a experiência amazónica do futuro escritor terá como maior fruto essa obra maior que é A Selva.
(a desenvolver)   

Tuesday, April 14, 2015

Ferreira de Castro nos dicionários (15) - o Dicionário Biográfico Universal de Autores

João Palma-Ferreira
O Dicionário Biográfico Universal de Autores é um projecto da Artis, a partir da matriz italiana da Bompiani. Dicionário em cinco volumes, a parte luso-brasileira esteve a cargo de Luís de Albuquerque, Luís de Freitas Branco, Jacinto do Prado Coelho e Armando Vieira Santos. A publicação, inusitadamente longa, prolongou-se por 16 anos, entre 1966 e 1982.

O autor da entrada sobre Ferreira de Castro (vol. II, 1970) foi João Palma-Ferreira. A sua redação será anterior a 1963, uma vez que nem As maravilhas Artísticas o Mundo  nem O Instinto Supremo são referidos. Dela, importa-me destacar o seguinte: 

1) o relevo que dá à importância do escritor no âmbito da literatura de viagens -- nomeadamente A Volta ao Mundo --, género de tradição secular na cultura portuguesa; 

2) o enfoque no carácter dilemático, psicológico, na obra romanesca de Ferreira de Castro, neste passo que já citei por várias vezes noutras ocasiões, mas que -- até pela sua argúcia e pertinência -- volto a citar: «[...] é Ferreira de Castro o primeiro escritor ficcionista moderno que, em Portugal, se preocupa em colocar o leitor no centro de um problema de que foi obrigado a fazer prévia participação e de onde extraiu, pelo menos, um complexo de situações profundamente dramáticas e pessoais.» Curiosamente, as reservas expostas quanto ao estilo e à concretização narrativa não são da sua pena, mas referência ou citação de Óscar Lopes, que foi sempre ambivalente quanto a Ferreira de Castro. E se escrevo 'curiosamente' é por me parecer que Palma-Ferreira tinha bagagem teórica e conceptual, além  de estatuto, suficientes, já em 1970, para dispensar-se de tutelas.

3) uma originalidade, no âmbito destes verbetes para dicionários e enciclopédias, que é a sinalização de datas fundamentais no seu percurso literário, bem demarcadas quanto ao significado que encerram -- 1924, 1928 e 1944 -- com as quais, porém parcialmente discordo: 

Estou em desacordo quanto à primeira pois para o ensaísta, 1924 assinala na ainda incipiente obra castriana uma «produção de implicação simultaneamente social e psicológica». Quanto a mim, nada há distinga a ficção publicada anteriormente (mesmo sem irmos às primícias no Brasil). Creio, aliás, que só indirectamente Palma-Ferreira terá tido conhecimento desses títulos iniciais; 1928, claramente, é o ano de Emigrantes, e portanto uma data decisiva (embora, para mim, mais decisivo tenha sido 1927); já 1944, ano da conclusão da edição de a Volta ao Mundo, compreendendo-se na intenção de salientar do lugar de Ferreira de Castro na literatura de viagens, seria preferível, do meu ponto de vista, a sua antecipação para 1939, ano em que realizou o périplo, na companhia de Elena Muriel, servindo também como charneira entre Pequenos Mundos e Velhas Civilizações e A Volta ao Mundo.

Tuesday, July 23, 2013

Um poema de Juan Ramón Jiménez que me remete para o Caima e para o Vale de Ossela...

...rio e vale de que Ferreira de Castro se despediu ainda criança, a caminho do Brasil; lembrança que o atormentava no cárcere amazónico; cimos da Felgueira e leito fluvial que desde menino lhe incutiram o apelo da errância, e a que o autor se refere -- se a memória não me falha -- no «Pórtico» de A Volta ao Mundo e na «Pequena História de "Emigrantes"».     
     O poema do grande Juan Ramón Jiménez pertence a Arias Tristes, e foi coligido e traduzido por José Bemto, publicada pela Relógio d'Água (Lisboa, 1992):

Rio de cristal, dormente
e encantado; doce vale,
doces margens de salgueiros
viçosos e brancos álamos.

-- Este vale possui um sonho
e um coração e sabe
dar com o seu sonho um som lânguido
de flautas e cantares --.

Rio encantado; as ramagens
dos salgueiros ensonados,
caídos sobre os remansos,
beijam os claros cristais.

E o céu é plácido e brando,
um céu flutuante e baixo;
com sua bruma de prata
afaga ondas e árvores.

-- O meu coração sonhou
com a ribeira e o vale,
e chegou até à margem
serena, para embarcar;
mas, ao passar no caminho,
chorou de amor, com um cantar
antigo, que ouviu cantando,
não sei quem, num outro vale --.

Thursday, June 14, 2012

Ferreira de Castro na "Cidade de Lilipute" (4)



Ferreira de Castro escreveu também livros de viagens, um dos quais -- A Volta ao Mundo (1940-1944) -- permanece como o mais significativo deste século num género com tradições centenárias na literatura portuguesa.

in Ferreira de Castro, Macau e a China, Taipa, Câmara Municipal das Ilhas, 1998.

Monday, April 11, 2011

Histórias de livros: Entre o Ocidente e o Oriente

Macau estará em debate, a partir de duas obras literárias, uma delas A Volta ao Mundo, dia 13, aqui.