Monday, December 26, 2011

Vítor Viçoso, A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA – AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (6)

* uma aguerrida política de propaganda por parte do Estado Novo e do seu corifeu António Ferro, através do SPN, pondo em confronto a «estetização da política» como refere Viçoso à «politização da estética», por parte dos neo-realistas. Aliás, Vítor Viçoso regista a prevalência de «dois nacionalismos distintos» (p. 43): um retrógrado e paroquial, mas estilizado, fomentado pelo poder; o outro, universalista e humanista, no pressuposto da emancipação humana;

Sunday, December 25, 2011

Selecções Álibi

737. IPS, H. & MACOFI (selecção e notas), Selecções Álibi, vol. III, Lisboa, Editorial Álibi, s.d.; 72 págs.; 21,2x15x0,4 cm.; broch.
Género: Ficção narrativa (conto).
Categoria: Literatura portuguesa; Antologias.
Autores antologiados: Reinaldo Ferreira (Repórter X), Ferreira de Castro, Eduardo Frias, Mário Domingues, José da Natividade Gaspar, Francisco A. Branco e H. Ips & Macofi.
Estado: bom.
Obs.: «A Chinesa do Avenida Palace», de Ferreira de Castro, extraída de um Almanaque Bertrand, década de 1920; Ips &; Macofi, um pseudónimo (Mário Domingues?).
Capa: Machado.

Tuesday, December 13, 2011

Vítor Viçoso, A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA – AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (5)

* a polémica entre José Rodrigues Miguéis e Castelo Branco Chaves nas páginas da Seara Nova – movimento de grande nobreza cívica e cultural que, nas palavras de Raul Proença, se situava à extrema-esquerda do regime republicano; dissensão que leva ao abandono da revista do primeiro, já activista comunista, deixando de reconhecer-se no liberalismo socialista do grupo de Proença, Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro e António Sérgio;



Monday, December 05, 2011

Vítor Viçoso, A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA -- AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (4)

* a conferência de Bento de Jesus Caraça, em 1933, A Cultura Integral do Indivíduo – Problema Central do Nosso Tempo, proferida na Universidade Popular Portuguesa, que, segundo o autor é «um dos textos fundadores de uma nova mundividência, na qual a cultura democrática como modo de dignificação e de libertação do ser humano constituía um núcleo fecundo.» (p. 22);

Thursday, December 01, 2011

Ferreira de Castro e os seus médicos

Castro, após a sua permanência na Amazónia, teve sempre uma saúde instável. No Bernardino Machado, excelente blogue alimentado pelo seu neto, Manuel, leio sobre a justa homenagem aos docentes de Coimbra afastados das suas cátedras pelo Estado Novo. Nela figuram três dos médicos do escritor: Celestino da Costa, Fernando da Fonseca e Pulido Valente. Este, em 1953, teve uma intevenção decisiva numa grave crise que implicou três intervenções cirúrgicas. Tal como Reinaldo dos Santos, em 1931, que debelou uma septicemia -- e Rufino Ribeiro, um oftalmologista do Norte (creio que do Porto)

Wednesday, November 30, 2011

VÍTOR VIÇOSO, A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA – AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (3)

Esta elite, cujo núcleos iniciais se dispersavam por Coimbra, na sua maioria, mas também Vila Franca de Xira e Lisboa, manifesta-se a partir da segunda metade da década de 1930, num ambiente político, social, económico, ideológico e cultural extremamente polarizados, e disso tratará Vítor Viçoso no capítulo inicial, significativamente intitulado «A Tragédia do Mundo e o Neo-Realismo». Aí podemos seguir algumas das etapas que levam à constituição desta corrente, significativamente pontuada por condicionantes e factos importantes ou decisivos:

Tuesday, November 22, 2011

Vítor Viçoso, A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA -- AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO (2)

O autor estabelece previamente uma contextualização histórico-cultural de grande interesse e utilidade, uma vez que, como sabemos, nada nasce de geração espontânea. Há condicionantes internas e externas que são fundamentais para que elementos de uma comunidade estabeleçam entre si afinidades que posteriormente se manifestam de uma forma coerente. Desde logo uma afinidade geracional, sociológica e ideológica. E por isso, na «Introdução» somos informados de que os autores com que nos vamos defrontar pertencem a uma «elite cultural maioritariamente de origem pequeno-burguesa ou de camadas populares mais politizadas, identificadas com o marxismo ou na sua vizinhança ideológica». (p. 11)

Thursday, November 10, 2011

A NARRATIVA NO MOVIMENTO NEO-REALISTA -- AS VOZES SOCIAIS E OS UNIVERSOS DA FICÇÃO, de Vítor Viçoso (1)

A Narrativa no Movimento Neo-Realista – As Vozes Sociais e os Universos da Ficção, de Vítor Viçoso (Lisboa, Edições Colibri, 2011) consiste num panorama vasto da narrativa neo-realista, analisada com minúcia a partir de um conjunto de 148 títulos de bibliografia activa – corpus mais do que suficiente para determinar com segurança as linhas-de-força de uma corrente literária.      
     Quando falamos em narrativa neo-realista e nos seus autores, referimo-nos à mais importante corrente literária do século XX: não na poesia – apesar de Carlos de Oliveira, Mário Dionísio ou Manuel da Fonseca; não no ensaísmo e na crítica – apesar de (outra vez) Mário Dionísio, Álvaro Salema ou António José Saraiva, entre muitos outros –, mas, claramente, na ficção narrativa e, em particular, no romance. Basta lembrar os maiores: Alves Redol, Manuel da Fonseca, Fernando Namora, Carlos de Oliveira, para não falar naqueles que dele se distanciaram em maior ou menor grau, como Vergílio Ferreira e José Marmelo e Silva, ou de Soeiro Pereira Gomes, que morre prematuramente apenas com um livro publicado – sem esquecer, naturalmente, Ferreira de Castro, da geração anterior, mas de quem tem sempre de ser citado com pormenor quando se aborda o neo-realismo.

(texto lido na apresentação do livro no Café Saudade, Sintra, em 21 de Outubro de 2011)

Thursday, September 22, 2011

Natureza e Homem em Ferreira de Castro



«Natureza e Homem em Ferreira de Castro: Imagens de uma relação», conferência por Ana Cristina Carvalho, sexta-feira, 23 de Setembro, pelas 18 horas, no Museu Ferreira de Castro.
Ilustração: Alex Gozblau

Monday, July 18, 2011

Jaime Brasil, anarquista (3)

2. Jornalista, Jaime Brasil (Angra do Heroísmo, 1892 -- Lisboa, 1966) destacou-se no que costumamos designar por «imprensa cultural», com particular destaque para o jornal O Globo -- Hebdomadário de Cultura, Doutrina e Informação, de que saíram pelo menos 27 números (4), e no suplemento «Das Artes e das Letras» de O Primeiro de Janeiro, que coordenou entre as décadas de 1940 e 1960.

(4) Daniel Pires, Dicionário da imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1900-1940), Lisboa, Grifo, 1996, pp. 185-186.

Monday, April 18, 2011

«Obras Completas»

Por razões de ordem prática, as passagens dos livros de Ferreira de Castro que aqui postarei, serão extraídas das Obras Completas, em seis volumes, publicadas pela RBA Editores, Barcelona, 2005-2007, que teve por matriz a edição do Círculo de Leitores, em 18 volumes, Lisboa, 1985-1986: de Emigrantes (1928) a Os Fragmentos (1974). (Pessoalmente, prefiro as «Obras Completas» da Lello & Irmão (Porto, 1975, organizadas por Álvaro Salema). Ficam de fora as obras da primeira fase, de Criminoso por Ambição (1916) a O Voo nas Trevas (1927) e a peça póstuma Sim, Uma Dúvida Basta  (1994), que não podia integrar as edições Lello e Círculo de Leitores, mas já deveria figurar na da RBA. As capas remeterão sempre para a 1.ª edição respectiva.


nota (20-XII-2011): estando a reformular o blogue, este post deixou de fazer sentido. Mantenho-o, contudo, por ser o único a referir-se a estas «Obras Completas».

Sunday, April 17, 2011

Da correspondência com Ferreira de Castro (2)

Género literário singular, a cuja elaboração não preside, na maioria dos casos, uma intenção de publicidade, a correspondência permite iluminar, esclarecer e muitas vezes repensar as noções adquiridas sobre uma personalidade ou uma época histórica.

in Jaime Brasil, Cartas a Ferreira de Castro, Sintra, Câmara Municipal / Museu Ferreira de Castro e Instituto Português de Museus, 2006.

Monday, April 11, 2011

Histórias de livros: Entre o Ocidente e o Oriente

Macau estará em debate, a partir de duas obras literárias, uma delas A Volta ao Mundo, dia 13, aqui.

Friday, April 08, 2011

BiblioHistória

O Instinto Supremo e Ferreira de Castro passam a integrar a magnífica base de dados de Pedro Almeida Vieira, um instrumento de consulta obrigatória para todos quantos se interessam pelo romance histórico português.

Wednesday, March 30, 2011

Ferreira de Castro, Raul Proença e o «Guia de Portugal» (3)

Em 1921, ano em que se inicia a publicação da revista [Seara Nova], a 1.ª República estava ferida de morte. O breve consulado de Sidónio Pais fora apenas um sério aviso em face da degradação a que a burguesia jacobina tinha submetido o país, com ondas de choque de sinais contrários -- do restauracionismo monárquico (1919) às brigadas turbulentas da «leva da morte» (1918) e da «noite sangrenta» (1921). Com o país no caos e a caminho do abismo, um grupo de escol lança um programa que designa como de «salvação», em cinco pontos:

1) «Renovar a mentalidade da elite portuguesa, tornando-a capaz dum verdadeiro movimento de salvação;»
2) «Criar uma opinião pública nacional que exija e apoie as reformas necessárias;»
3) «Defender os interesses supremos da nação, opondo-se ao espírito de rapina das oligarquias dominantes e ao egoísmo dos grupos classes e partidos;»
4) «Protestar contra todos os movimentos revolucionários, e todavia defender e definir a grande causa da verdadeira Revolução;»
5) Contribuir para formar, acima das Pátrias, a união de todas as Pátrias -- uma consciência internacional bastante forte para não permitir novas lutas fratricidas». (1) 

(1) In Sottomayor Cardia (edição), Seara Nova -- Antologia -- Pela Refroma da República (1) (1921-1926), Lisboa, Seara Nova, 1971, p. 89.

 Castriana #2, Ossela, Centro de Estudos Ferreira de Castro, 2004.

Sunday, March 27, 2011

mais uma beleza da T.

no Dias que Voam. Castro prepara-se para A Lã e a Neve (1947), uma da suas obras-primas. A notícia datará de 1945-46. Uma observação: em cima da estante vê-se um fauno em bronze, que lhe foi oferecido por Manuel Teixeira-Gomes, e uma cerâmica mais pequena representando Ganesh, o deus-elefante do hinduísmo, pelo qual o escritor tinha particular aversão, tal como no-lo relata em A Volta ao Mundo. Ambos podem ser vistos no Museu Ferreira de Castro.

Wednesday, March 16, 2011

Viajar com Ferreira de Castro (3)

Esta vontade inabalável que assiste todas as vocações permitiu ao jovem autor, no regresso ao país, singrar simultaneamente no jornalismo e na escrita, abandonando mais tarde a missão de publicista para se consagrar definitivamente à sua obra. O autodidactismo não foi obstáculo a que, até 1927, publicasse um número apreciável de títulos que virá, logo na década seguinte, a excluir da sua tábua bibliográfica e a impedir que fossem reeditados. Com injustiça para alguns deles, diga-se; porém, o percurso errático que caracteriza esse período, próprio de quem se procura como autor, foi determinante para essa decisão.

«Ferreira de Castro -- O triunfo de uma vocação», Viajar com... Ferreira de Castro, Porto, Edições Caixotim e Ministério da Cultura / Norte, s.d.

Thursday, March 03, 2011

Para além das ortodoxias: Ferreira de Castro e Francisco Costa (3)

Escrevendo sobre o último livro de Francisco Costa, José Carlos Seabra Pereira notou a persistência de um «franciscanismo» que se manifesta num intenso poema como «Cristo na rua» (5), já evidenciado naquele mesmo Verbo Austero, explicitamente em poemas como «Caridade», «O monge» ou o quinto poema de «Per crucem ad lucem» (6): «[...] Dei do meu pão; lavei mais duma chaga; / chorando, enxuguei lágrimas; e em paga / hei-de fitar o Sol, -- supremo gozo! [...]» (7) Ora o franciscanismo pressupõe uma atitude de opção pelos pobres e desprotegidos, de comunhão com o mundo dos homens que não era estranha a Ferreira de Castro, mesmo se por esse então a sua literatura participasse da euforia [a]pós-modernista dos anos vinte -- um modernismo então já com o postiço das lantejoulas à António Ferro, enquanto não chegava o assentamento presencista --, remetendo para um secundário plano temas pretensamente «vulgares». (8)

(5) Francisco Costa, Última Colheita, p. 49.
(6) José Carlos Seabra pereira, «A poesia na jornada de Francisco Costa», Colóquio / Letras #100, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987, pp. 139-141.
(7) Francisco Costa, Verbo Austero, p. 104.
(8) Na 1.ª edição de Emigrantes (Lisboa, livraria Renascença, 1928), castro refere-se ao motivo excepcional da obra, muito diferente do que se passava com os seus livros anteriores. 

Vária Escrita #10, t. II, Sintra, Câmara Municipal, 2010.

Friday, February 04, 2011

uma capa de Roberto Nobre

Ferreira de Castro, Sendas de Lirismo e de Amor
Lisboa, Edições Spartacus, 1925 

Thursday, February 03, 2011

Roberto Nobre - Uma vida por imagens (3)

Nascido no ínicio do século XX (27-III-1903), Roberto Nobre é bem um exemplo de artista contagiado pelo espírito do seu tempo. Um figurativo dinâmico, nervoso, com alongamentos que evocam Modigliani, um geometrismo tantas vezes presentes na obra gráfica; e um conhecimento profundo da 7.ª Arte, da arte do seu tempo, da «estética dinâmica», que ele praticou e compreendeu como poucos à sua época, dela falando com paixão e com razão, dignificando-a como nobre manifestação do espírito humano.

In Roberto Nobre -- 1903-2003, São Brás de Alportel, Câmara Municipal, 2003.

Thursday, January 27, 2011

Páginas de Amor dos Melhores Autores Portugueses (1944)

organizadores: António Feio e Raul Feio
Vasco de Lobeira [ou João de Lobeira], Sóror Mariana Alcoforado [sic], Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Fialho de Almeida, Carlos Malheiro Dias, Afonso Lopes Vieira, Júlio Dantas, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Magnus Bergström, Joaquim Paço d’Arcos, José Régio, Manuel de Campos Pereira, Vitorino Nemésio.
Lisboa, edição dos Antologiadores, 1944.
(excerto de Eternidade)

Tuesday, January 25, 2011

Um medo frio - Breve nota sobre a memorialística castriana (3)

Personagem influente da cultura portuguesa novecentista, um dos últimos abencerragens do escritor-farol à maneira de um Victor Hugo, de um Guerra Junqueiro, de um Émile Zola -- mas também de um Romain Rolland ou de um Aquilino Ribeiro, Castro granjeou um prestígio como romancista e uma autoridade moral como figura intelectual da Oposição -- embora nunca arregimentada, tenazmente independente e individual  -- suficientemente significativos para ser tido como um potencial candidato às Presidenciais de 1958, sondado para o efeito por intelectuais do PCP, e cuja recusa viria a estar na origem da escolha do seu amigo e contertuliano Arlindo Vicente. Uma natural vivência intelectual intramuros e fora de portas, um estreito relacionamento com figuras como Raul Brandão ou Brito Camacho, os contactos privilegiados que teve com diversos escritores estrangeiros, de Blaise Cendrars a Louis Aragon, passando por Stefan Zweig, a amizade com Jorge Amado e muitos outros autores brasileiros que seria fastidioso enumerar, os prémios internacionais e as distinções vindas um pouco de toda a parte, em especial do Brasil e de França -- tudo isto daria para uma narrativa de memórias cheia de interesse -- porém superficial, em face da existência invulgar que foi a sua, tão exaltante quanto surpreendente.

Sol XXI #38/39, Carcavelos, 2003 

Tuesday, January 18, 2011

Ferreira de Castro e João Pedro de Andrade (3)

No decorrer dos trabalhos para este Centenário, verificámos que existiu também uma ligação a Sintra, na década de 60, quando Andrade arrendou uma casa na Vila Velha, mais concretamente na Rua da Pendoa, a meio caminho do local em que hoje estamos e o velho Hotel Neto, onde Castro costumeiramente se hospedava.
Na última carta conhecida de João Pedro de Andrade, de 3 de Novembro de 1964, este informa Ferreira de Castro estar aos fins-de-semana num «tugúrio» que por cá arrendara:
Passo grande pedaços no café Paris, depois do almoço e do jantar, a caturrar com um velho amigo. E tenho devassado aquelas estradas e veredas saudavelmente a pé. (Pertenço à minoria dos portugueses que não têm automóvel.)1


1Lisboa, 3 de Novembro de 1964 -- MFC/B-1/2096/Cx.176/Doc.19/Ms.


João Pedro de Andrade, Centenário do Nascimento (1902-2002), Actas & Colóquios da Hemeroteca #2, Lisboa, Câmara Municipal, 2004.

Friday, January 07, 2011

1911

Faz hoje cem anos que um garoto embarcou sozinho no porto de Leixões rumo a Belém do Pará. Chamava-se José Maria Ferreira de Castro, «tinha 12 anos, 7 meses e 14 dias», acabara de ler um número da Ilustração e encetava um dos mais extraordinários percursos que um indivíduo pode realizar: acrescentar ao Mundo algo de si.Sem que nada o sugerisse -- pelo menos à gente rude de onde ele provinha --, aquela criança começou a escrever num seringal da Amazónia, e quando de lá saiu para a capital paraense editou, logo que pôde, um romance ingénuo, que venderia em fascículos de porta em porta, intitulado Criminoso por Ambição. Corria o ano de 1916. Não era previsível que um filho de camponeses, apenas com a quarta classe, viesse a ser um dos maiores escritores portugueses do século XX, autor de, pelo menos, duas obras-primas -- A Selva (1930), um livro único, e A Lã e a Neve (1947), um exemplo das capacidades de um grande romancista no seu apogeu --, e de um punhado de livros relevantíssimos que, só por si, torná-lo-iam um dos romancistas mais consistentes do seu tempo: Emigrantes (1928), Eternidade (1933), Terra Fria (1934), A Tempestade (1940), A Curva da Estrada (1950), A Missão (1954) e O Instinto Supremo (1968), sem esquecer outros títulos, como A Volta ao Mundo (1940-44), um marco na secular literatura de viagens dos portugueses.
Ferreira de Castro foi um pioneiro na introdução em Portugal de uma literatura de intuitos revolucionários, com Emigrantes (1928). Mas foi muito mais do que isso: um psicologista fino, um estilista exigente, um autor atormentado pelo destino inexorável de todo o ser vivente, a morte, um ecologista avant la lettre, um defensor dos animais, um feminista, um libertário, um anarquista no mais puro e verdadeiro sentido da palavra.
Para quem ache os prémios importantes, deixo aqui registados os mais significativos: Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências (1934, atribuído a Terra Fria), Prémio Catenacci, da Academia de Belas-Artes de Paris (1965, atribuído a As Maravilhas Artísticas do Mundo), Grande Prémio Águia de Oiro do Festival do Livro de Nice (1970, conjunto da obra), Prémio da Latinidade (1971, em conjunto com Jorge Amado e Eugenio Montale); proposto ao Prémio Nobel de Literatura em 1951 (comissão liderada pelo académico dinamarquês Holger Sten) e em 1968 (com Jorge Amado, propostos pela União Brasileira de Escritores).
A sua obra continua a ser lida, reeditada, amada e redescoberta por muitos leitores, e como nunca se deixou contaminar pela propaganda do totalitarismo, isto é: nunca se esqueceu que o indivíduo é a entidade primeira numa sociedade livre e justa, não foi ainda desmentida pela História e pelas práticas dos homens.
postado também no Abencerragem 

Wednesday, January 05, 2011

Recordar Rocha Martins (3)

Cronista do fim da monarquia e dos primeiros anos da república, os seus livros sobre D. Carlos, D. Manuel II, João franco, Pimenta de Castro ou Sidónio Pais participam dessa condição de jornalista, de observador privilegiado e muitas vezes participante do devir histórico, acabando por alçar-se à condição de testemunhos de um  tempo.


Texto publicado no desdobrável da exposição bibliográfica e documental «Rocha Martins -- 50 Anos Depois (1952-2002)», realizada no Museu Ferreira de Castro, em Maio-Junho de 2002.