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Tuesday, July 23, 2013

Um poema de Juan Ramón Jiménez que me remete para o Caima e para o Vale de Ossela...

...rio e vale de que Ferreira de Castro se despediu ainda criança, a caminho do Brasil; lembrança que o atormentava no cárcere amazónico; cimos da Felgueira e leito fluvial que desde menino lhe incutiram o apelo da errância, e a que o autor se refere -- se a memória não me falha -- no «Pórtico» de A Volta ao Mundo e na «Pequena História de "Emigrantes"».     
     O poema do grande Juan Ramón Jiménez pertence a Arias Tristes, e foi coligido e traduzido por José Bemto, publicada pela Relógio d'Água (Lisboa, 1992):

Rio de cristal, dormente
e encantado; doce vale,
doces margens de salgueiros
viçosos e brancos álamos.

-- Este vale possui um sonho
e um coração e sabe
dar com o seu sonho um som lânguido
de flautas e cantares --.

Rio encantado; as ramagens
dos salgueiros ensonados,
caídos sobre os remansos,
beijam os claros cristais.

E o céu é plácido e brando,
um céu flutuante e baixo;
com sua bruma de prata
afaga ondas e árvores.

-- O meu coração sonhou
com a ribeira e o vale,
e chegou até à margem
serena, para embarcar;
mas, ao passar no caminho,
chorou de amor, com um cantar
antigo, que ouviu cantando,
não sei quem, num outro vale --.

Friday, August 10, 2012

Jorge Amado, CANTIGA DA AMAZÔNIA (1938)


NEM O MISTERIO DOS RIOS SE RENOVANDO,
NEM LA TERRA NINA NASCENDO A CADA MOMENTO NO PRINCIPIO DO MUNDO DA [AMAZONIA,
NEM O PITORESCO DOS LIRICOS NAVIOS ATRAZADOS,
NEM A FLORESTA DE TODAS AS ALUCINAÇÕES,
NEM O PAGÉ, O BOTO, A COBRA GRANDE,
NEM MESMO OS CABELOS DA ULTIMA YARA, DE OCULOS AZUES, VOGANDO NO RIO [DE MISTERIO EM LANCHA-AUTOMOVEL,
TÃO POUCO EL DOLOR E LA SANGRE DE LOS INDIOS DE RIVERA,
DOS CEARENCES DE FERREIRA DE CASTRO,
NENHUM MOTIVO ETERNO NA MINHA CANTIGA DO AMAZONAS.

APENAS O LOUVOR DO AMIGO:
O CIVILIZADO QUE PAROU NA SELVA,
FILHO DAS GLORIAS DUMA RAÇA FORTE,
MÃOS CHEIAS DE CULTURA E DE BOM GOSTO,
AQUELE PARA QUEM A HUMANIDADE NÃO É UMA PALAVRA VÃ,
GRANDE DA BONDADE,

PORTUGUEZ!

A CERTEZA DE PODER DIZER NA HORA DA MAIS DENSA ANGUSTIA:
EMIDIO VAZ D'OLIVEIRA, AMIGO,
AMIGO!

Estrada do Mar (1938)

Wednesday, December 09, 2009

Para além das ortodoxias: Ferreira de Castro e Francisco Costa

O papel de fundamental de Francisco Costa na doação do espólio de Ferreira de Castro ao Povo de Sintra (ver depoimento em apêndice) foi o melhor remate a um diálogo que se estabelecera cinquenta anos antes, quando o jovem poeta sintrense dava os primeiros passos como autor e o não menos jovem torna-viagem sobrevivia pelos jornais, compensando pela quantidade a exiguidade da remuneração das colaborações. Estreando-se em 1920 com a colectânea de sonetos intitulada , redigidos em grande parte no sanatório onde convalescerá de uma tuberculose pulmonar, Costa registou na sua autobiografia a comovida recepção dispensada pelo «jovem ateu Ferreira de Castro, jornalista aqui e acolá» (3). Desconhecendo essa nota, temos oportunidade de publicar as impressões de Castro a propósito do livro seguinte, Verbo Austero. Não se eximindo a frisar divergências («não é meu mar predilecto»), estas também não impediram o entusiasmo («é inegavelmente um poeta») por quem se reafirmava com um lirismo clássico, mas inquieto, provavelmente mais próximo de si próprio do que julgava, pela «desconformidade e heterodoxia» que -- como no prefácio salientara Fidelino de Figueiredo --, reflectiam a «sensibilidade moderna do poeta. (4)
(3) Francisco Costa, «Esboço de autobiografia literária», Última Colheita -- Poesia e Biografia, Sintra, edição do Autor, 1987, p. 71.
(4) Fidelino de Figueiredo, «Prefácio» a Francisco Costa, Verbo Austero, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1925, p. X.
Vária Escrita, n.º 10, Sintra, Câmara Municipal, 2003, p. 84.

Wednesday, March 11, 2009

um poema de Alice Fergo

UM SIMPLES NUNCA SIMPLÓRIO

A Ferreira de Castro

Que idade me dás seringueiro doce
vergado na sede do pão que não colhes?

Sou uma criança de sacola ao ombro
e massajo a selva
com treze promessas
treze penas roxas em missão de pombo.
A esteira é de sangue.
A obra é desgosto.
Margarida fia arroubos de infância,
guarda-me uma ânsia
de amá-la ao sol-posto.

Vapor messiânico alisa-me a cama
eu já levo barba e uma mágoa em brasa
de tanta injustiça...

Se o rito do Verbo é orgânico
meu corpo de rama não é de ninguém
encarnei ferreiro no castro de um sonho,
pela alma da terra, (Amen.)

In Homenagem a Ferreira de Castro pelos Escritores da Tertúlia "Rio de Prata", Lisboa, Universitára Editora, 1998, p. 5.

Saturday, March 31, 2007

Um poema de João de Barros

CAMINHO

a Ferreira de Castro

Dizem aqueles tristes que julgaram
Ter vivido num dia toda a vida:
-- É tudo engano e a alma aborrecida
Morre dos ideais que alucinaram...

E aos outros gritam: -- Onde, esta subida
Atrás das ilusões que vos chamaram?
-- Loucos, parai... Só esses que pararam
Chegaram à verdade apetecida!

Mas nós -- nem os ouvimos, nós, os fortes
Que através de mil prantos e mil mortes,
Sabemos que a verdade ou a ilusão,

-- Ideia altiva ou corpo de mulher --
Nunca podem fugir a quem tiver
Beijos de amor e garras de ambição!





Humilde Plenitude, Lisboa, Livros do Brasil, 1951

Thursday, November 09, 2006

Um poema de Fiama, a propósito

Fusos! Poderei invocar sob esse nome
as rochas harmoniosas, paisagem perdida:
entre prismas da neve, desfiladeiro distante.
Tal como eu, livros lamentam o encontro e a perda
dos viajantes. Até a passagem no meio dos abismos, garras
das pedras. No entanto estive naquela neve
que me cega. Porque só eu percorro o trilho irreversível
para regressar através dos vestígios. Para contemplar
o brilho desse tempo inóspito, com a imobilidade
específica. Quem se deslumbra naquele cerco,
garganta das rochas, traz o estigma. A narração
de viagens descreve tudo o que se reviu
e também o conflito entre isso, massas rochosas,
e o corpo presente. Nem a elegia me cabe
como herança de elegíacos, nem a memória me transpõe
para aí. Crio, para além da morte, enunciados
sobre novas visões do passado. Neve luxuriante,
quadrilátero da cripta recôndita, a rocha de ónix.










Fiama Hasse Pais Brandão, Novas Visões do Passado, Lisboa, Assírio & Alvim, 1975, p. 53

Saturday, June 10, 2006

A canção das águas, de Rebelo de Bettencourt

A CANÇÃO DAS ÁGUAS

A Assis Esperança e a Ferreira de Castro

Cantam as águas p'la ribeira fóra,
Cantam as águas numa voz magoada...
E eu não entendo esta canção molhada
Que me perturba e me enternece agora!

Pela ribeira vão cantando as águas,
Cantam as águas de maneira nova...
-- Quem foi o poeta que inventou a trova,
Que as águas cantam, repetindo as máguas?

Cantiga assim não tinha ouvido ainda,
Nem sei até se outra mais linda existe!
Por sêr tam linda é que a cantiga é triste!
-- Por sêr tâm triste é que a cantiga é linda!

As águas cantam de maneira nova...
Oiço uma voz nas águas da ribeira...
--Quem foi que disse pela vez primeira
A soluçante e perturbada trova?

Quem a inventou, tam magoada e calma,
E quem a disse pela vez primeira?
--Quem deu voz às águas da ribeira
E com a voz lhe deu tambem a alma?

Alma das águas sobre as águas indo,
Ó alma errante, qual o teu segredo?
--Oiço a cantiga de mistério e mêdo
E a sua dor vai dentro de mim caindo!

Dentro das águas chora a voz de alguem,
Chora uma voz errante e sem destino...
Em vão quero entendê-la, e nunca atino
Com o sentido que a cantiga tem!

Linda cantiga de misterio e dor,
Não sei tirar-te já do meu sentido!
-- Que estranhos ritmos que eu não tinha ouvido!
-- Que lindos versos que eu não sei compôr!

Quem te inventou, linda cantiga de água?
Quem te inventou assim tam linda e triste?
Em ti uma alma incompreendida existe,
Que eu bem na oiço em tua voz de mágoa!

Canção de dôr toda molhada em pranto,
Quem é que sabe o teu mistério fundo?
Parece até que vem dum outro mundo
A tua voz que me perturba tanto!

Vaga e distante esta canção molhada
Enche a minha alma de mistério e mêdo...
Cantiga errante, qual o teu segredo?
Quem é que chóra em tua voz magoada?

Pela ribeira vão cantando as águas,
Cantam as águas de maneira nova...
-- Quem foi o poeta que inventou a trova
Que a ságuas cantam, repetindo as máguas?

Rebelo de Bettencourt, Oceano Atlantico, Ponta Delgada, Tipografia Insular, 1934, pp. 13-16