Friday, May 31, 2013

incidentais #19 - prisões

ilustração de Bernardo Marques
* Dizem-me que quando se entra numa prisão para lá ficar os anos seguintes, a prostração e o fastio dos primeiros dias são esmagadores. É um pouco desse alheamento que vamos encontrar em Januário, fechado numa cela que encerra mais três: o Sábio, o Palhetas e o Malafaia; o primeiro, descomunal, estabelece as regras, fala, os outros, ouvem.
*Tão perto da quinta onde lhe decorrera a infância, asilo de freiras, os dois sexos divididos por uma cerca. O Sábio impreca a má sorte de terem mudado a cadeia do centro da vila, onde a esmola caía com facilidade e o movimento era distracção. Fala, e não se cala: «O homem continuava a sorrir, um sorriso misto, vindo do passado e do futuro, do que ele já havia dito e do que se preparava para dizer»; mas Januário recolhe-se, à cabeça vêm-lhe os amigos da infância, Manecas, Chico, Jalecas, e é transportado à recordação inocente de Clarinda, pequena como ele, mirando-o e desinquietando-o por detrás da cerca. 
*À pergunta do homenzarrão, querendo saber se ele estava ali por morte de homem, Januário não responde.  Repete-se a pergunta e Januário continua calado. A realidade de presidiário parece incompatível com aquelas memórias de infância, as brincadeiras que se associa irresistivelmente às de Ferreira de Castro, na Ossela natal -- certamente por si evocadas noutro tipo de prisão, durante a adolescência: o cárcere verde da floresta amazónica, onde, num período de cerca de quatro anos, entrou menino e saiu homem

Sunday, May 26, 2013

(re)leituras

A propósito da «Pequena História de "A Selva"», aqui, numa (re)leitura pausada de alguns grandes textos ficcionais em português.

Tuesday, May 14, 2013

Ferreira de Castro na Cavalo de Ferro

Ora está uma grande notícia! Depois de décadas de deficiente trabalho editorial, Castro refresca-se às mãos da Cavalo de Ferro -- pequena-grande editora, cujo suculento catálogo alberga escritores como Mario Benedetti, Julio CortázarMircea Eliade, Hermann Hesse, Luigi PirandelloHoracio Quiroga,  Wislawa Szymborska, Lev Tólstoi, ,  Mark TwainOscar Wilde, e muitos outros,

Sunday, May 05, 2013

Chegar a Jaime Brasil através de Ferreira de Castro (3)

Mas foi através de Ferreira de Castro que cheguei verdadeiramente a Jaime Brasil. Com o magnífico romancista de A Selva, partilhou ele várias afinidades. Desde logo, profissionais. Oficial do exército na reserva até à sua expulsão na década de 40, entrara para a redacção de O Século em 1921. No mundo dos jornais se encontrou com Castro: nas páginas do diário anarco-sindicalista A Batalha, na direcção do Sindicato dos Profissionais da Imprensa de Lisboa, presidido por aquele e dissolvido pouco depois do golpe militar de 28 de Maio de 1926, e n'O Século, quando o futuro autor de Emigrantes abandona a frágil condição de freelancer. Brasil será despedido, por razões políticas, em 1936; Castro havia já abandonado o diário dois anos antes, passando a viver dos livros, das traduções e colaborações para jornais brasileiros, pois recusara-se a voltar a escrever na imprensa portuguesa enquanto a Censura vigorasse.

O Primeiro de Janeiro, «Das Artes e das Letras», Porto, 19 de Novembro de 2007.