Sunday, November 28, 2010

Os retratos de Castro por Nobre (3)

Ele próprio ensaísta, cultor de uma literatura de ideias, em escritos de estética cinematográfica, dispersos ou reunidos em volume (9) --, os seus livros estão eivados de referências literárias, de reflexões sobre a literatura, quer como manifestação artística específica, quer a propósito da sua relação com o cinema, topando o leitor a cada passo com Camilo e Eça de Queirós, Raul Brandão e Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro e José Régio; ou Dostoievski e Zola, Anatole France, Romain Rolland e André Gide. (10) O ensaio viria assim paulatinamente a tomar o lugar do desenho, que, na década de vinte do século passado, o projectara no meio artístico lisboeta.

(9) Horizontes de Cinema (1939) e Singularidades do Cinema Português (1964) [atente-se no título queirosiano do último -- nota 2010]
(10) A correspondência de Nobre é demonstrativa do diálogo intelectual que ele estabelecia com os seus interlocutores. Ver «Seis cartas de Luís cardim a Roberto Nobre», introdução, leitura e notas de Ricardo António Alves, Boca do Inferno #1, Cascais, Cãmara Municipal, 1996, pp. 95-109; José Régio / Roberto Nobre, «Correspondência», transcrição e notas de Eugénio Lisboa, Boletim, #4-5, Vila do Conde, Câmara Muncipal e Centro de Estudos Regianos, 1999, pp. 29-33.

Vária Escrita #8, Sintra, Câmara Municipal, 2001.

Wednesday, November 17, 2010

Cinco Centenários (2). [excerto de carta de José Bacelar]

Lisboa, 24 de Julho de 1935
S/C, R. Latino Coelho, 45, 3.º

          Exmo. Snr. Ferreira de Castro

     Venho muito comovidamente agradecer-lhe as suas palavras tão bondosas e tão fraternais, as suas palavras tanto mais tocantes para mim quanto é certo que elas vêm do escritor que mais largo êxito tem tido no nosso país -- porque o teve também no resto do mundo.
     É uma tendência -- demasiadamente humana -- de todo o escritor de sucesso o sobrelevar o espírito crítico da massa dos leitores, o considerar o «meio» onde ele produz menos mau do que na realidade ele é. Não é porém assim o romancista Ferreira de Castro, e isto dá bem a medida da categoria do seu espírito, porque uma das mais nobres qualidades do artista -- e talvez também do homem -- é, não é verdade? a insatisfação. O «meio» é triste, de facto. Assim, já de antemão eu estava preparado e resignado -- dados o fraco mérito e o género um pouco especial do meu pequeno livro à indiferença e ao silêncio da crítica oficial.

Vária Escrita #7, Sintra, Câmara Municipal, 2000.

Monday, November 01, 2010

Alexandre Cabral: Camilo, mas também Ferreira de Castro (3)

Os grandes escritores valem pela obra que legaram. Não precisam de apologetas exaltados e podem bem haver-se, de além-túmulo, com certa casta de detractores ou com um aparente esquecimento (o «injustamente esquecido» é um dos chavões recorrentes da imprensa cultural) que sobre eles se teria abatido. O nome e a obra de Camilo também foram vítimas desta pecha que atinge, póstuma mas temporariamente quando se trata de alguém de real valor, a quase totalidade dos nossos poetas e romancistas. Não obstante o proverbial desleixo luso, há sempre quem -- por vezes solitariamente -- não resista ao apelo duma escrita que continua a interpelar os leitores, surgindo homens como Alexandre Cabral, que porfiadamente estudam e iluminam obras que são acervos do nosso património cultural, consagradas pelo tempo, pelo público e pelos seus méritos intrínsecos.

Vária Escrita #6, Sintra, Câmara Municipal, 1999.