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Tuesday, October 01, 2013

"a escolha moral" de Antony Beevor, a propósito da nova edição de A MISSÃO



Quem leu A Missão sabe que o cerne da novela reside no dilema moral que se depara  ao frade Georges Mounier, membro de uma comunidade religiosa na França em trânsito germânico para a ocupação (1940). Um dilema que é uma questão ética colocada ao superior, e depois aos restantes membros, reunidos em capítulo: a utilização do símbolo crístico no telhado do edifício defenderá este dos bombardeamentos aéreos, por convenção internacional. A contrapartida, porém, é a de indicar uma outra antiga, mas semelhante, construção religiosa, na mesma localidade, que havia sido reconvertida em fábrica, e que contribuía para o esforço de guerra francês: não apenas a fábrica e os seus operários ficavam em risco com a identificação da missão, mas também as famílias alojadas no bairro proletário que circundava aquela. O instinto vital, um dos temas persistentes da obra castriana, entra em conflito com a dimensão ética.
Ocorreu-me a entrevista que Antony Beevor deu a Cristina Peres num dos últimos Expressos («Actual», 21.IX.2013). Beevor que, enquanto historiador, estudou profundamente este período, diz, a certo passo: "[...] apercebi-me de que o elemento fundamental do drama humano é a escolha moral."
A Missão (acompanhado de O Senhor dos Navegantes) regressa às livrarias, agora com a chancela da Cavalo de Ferro, após 32 anos do mais estúpido desleixo do seu anterior editor.

Saturday, March 23, 2013

Da correspondência com Ferreira de Castro (3)

     No caso particular deste epistolário, reflectem-se as grandes tensões vividas no período por ele abrangido. A II Guerra Mundial e a ocupação de Paris, onde se encontrava Jaime Brasil; a Guerra Fria; o prenúncio do fim do Império. Em Portugal, o Estado Novo, as prisões e a censura; as dissensões do(s) anarquista(s) com os comunistas, por um lado e os republicanos, por outro, também as vemos aqui espelhadas; e na disputa cultural, a questão do neo-realismo surge igualmente de forma clara. Do ponto de vista literário, é deveras substancial a quantidade de informações que as cartas nos trazem; o mesmo se passando com a personalidade deste autor que se distinguiu como biógrafo do seu interlocutor, logo em 1931 -- polemista, jornalista e libertário, aspectos que referimos com um pouco mais de pormenor no estudo que posfacia esta edição.

Jaime Brasil, Cartas a Ferreira de Castro, apresentação, transcrição notas e posfácio de Ricardo António Alves, Sintra, Câmara municipal / Museu Ferreira de Castro e Instituto Português de Museus, 2006.

Tuesday, October 09, 2012

incidentais #6 -- fala-se em ética no seguimento duma visão duns quadris

* «Bagatelle» prepara-se para pintar a palavra MISSÃO, em letras bem grandes, visíveis do ar, no telhado do edifício religioso. Estamos em França, 1940, os alemães invadem e atacam. Um convénio entre a Santa Sé e a Alemanha nazi prevê a salvaguarda de igrejas e mosteiros. Mounier passa distraído por «Bagatelle», pensando nos quadris de mulher que vislumbrara havia pouco, antes de fugir ao «sorriso brando e húmido» em que quase se enleara. Num sobressalto, pára, recua e manda suspender o trabalho. Este é o incidente fulcral na trama da pequena jóia que é A Missão.

* Atendendo ao desenvolvimento da novela, às posições do padre Georges Mounier no concílio que se segue na comunidade, parece-me evidente que para Ferreira de Castro -- um ateu --, a ética só acidentalmente, e consoante cada indivíduo, poderá ser compreensível num além religioso; antes, é algo terreal e racional.

* o incipit:  «O edifício, velho e longo, muito longo e de um só piso, parecia querer mostrar que a sua missão, justamente por ser celeste, devia agarrar-se à terra, estender-se bem na terra, para extrair a alma dos homens que nela viviam.»

* mestria (quando Mounier pergunta ao pintor sobre quem lhe mandara fazer aquele trabalho): «O "Bagatelle" havia compreendido que aquela pergunta se alargava para fora da curiosidade corrente, pois alguma coisa a mais viera embrulhada com as palavras; e, pousando a lata sobre o telhado, aguardou, respeitoso.»

Saturday, May 30, 2009

outras palavras - Jaime Brasil - OS NOVOS ESCRITORES E O MOVIMENTO CHAMADO «NEO-REALISMO» (1945)

Estes anos cruciais da guerra têm sido, paradoxalmente, favoráveis ao desenvolvimento das letras em Portugal. Dizemos paradoxalmente, porque nem o clima interno é propício à floração do talento literário, nem o ambiente exterior é de molde a permitir aos espíritos a calma indispensável à maturação das obras de arte. Deve ser muito forte o estímulo dos jovens escritores portugueses, para os levar a vencer todas as oposições e limitações e a realizar-se, se não plenamente, pelo menos com grande pujança.

Jaime Brasil, Os Novos Escritores e o Movimento Chamado «Neo-Realismo», Porto, 1945, p. 3.