Sunday, March 30, 2014

onde se fala de Diana de Liz

e da dilaceração de Ferreira de Castro, magnificamente, aqui.

Friday, March 28, 2014

Um acontecimento editorial: A EXPERIÊNCIA


Durante sessenta anos (desde 1954, data da primeira edição), A Experiência ficou escondida, no mesmo livro, entre a novela A Missão e o conto O Senhor dos Navegantes. A primeira, objecto também de edições à parte -- foi um dos volumes inaugurais da histórica colecção "Livros de Bolso Europa-América", e da própria editora original, a Guimarães, quando escolhido como um dos livros de leitura curriculares do então ensino unificado, na década de 1970. O Senhor dos Navegantes, em tempos gravado e dito por Ferreira de Castro, num disco editado pela Orfeu, em 1998, através da direcção avisada e culta de Vasco Graça Moura e António Mega Ferreira, foi também objecto de uma edição em separado, na colecção da Expo "'98 Mares".
E A Experiência, no meio da boa fortuna das outras duas narrativas, o único romance que integrava o volume A Missão?; essa história incrível de duas crianças de asilo, Januário e Clarinda, evoluindo para a marginalidade como se uma nuvem negra que sobre eles pairasse não lhes oferecesse outra saída?; essa narrativa modelar, moderna na sua estrutura, com vários planos espácio-temporais, mostrando que, como qualquer grande escritor, Ferreira de Castro não queria dormir à sombra dos louros conquistados, procurando superar-se de livro para livro?...
Foi preciso um editor culto, percebendo que tinha em mãos um romance notável, de grande mestria (um dos meus preferidos), para que A Experiência pudesse  sair da obscuridade a que não tinha direito. Sai, infelizmente, num tempo em que o detrito literário domina os escaparates, e o lixo quotidiano nos empesta a vida. Mas, ao contrário do que queria Ferreira de Castro, a grande literatura, aquela que experimenta e questiona, sempre esteve ao alcance de poucos. Podia ser outra coisa? Podia. Mas então Portugal não seria Portugal, mas outra coisa, menos rústica, menos suburbana.
A edição é cuidada, com referências bibliográficas diversificadas. Deixo duas, de conspícuos ensaístas e críticos, ideologicamente nos antípodas (Ferreira de Castro tem esse atributo dos grandes: seja qual for a nossa mundividência, encontramos sempre nos seus livros algo que nos emociona e faz sentido):

Óscar Lopes: «Ferreira de Castro foi o primeiro grande romancista português deste século [XX] que se determinou por problemas objectivos e não apenas por impulsos íntimos.»
e
Pinharanda Gomes: «Todas as situações são pontos limite, agonísticos, neste romance onde as personagens [...] bebem o cálice até à inverosímil agrura e, todavia, tudo é verosímil e, cotejado com a vida, é crível.»

Uma última palavra para Susana Villar, autora das capas dos livros de Ferreira de Castro na Cavalo de Ferro. Num autor que foi visitado pelos maiores capistas, de Stuart Carvalhais a Bernardo Marques, e até pelos maiores pintores, nas edições ilustradas de Portinari a Pomar, o óptimo trabalho de Susana Villar tem feito jus a também a esse legado.



Sunday, March 16, 2014

Ferreira de Castro, agitador no Brasil (5)

Em «Pequena História de "A Selva"» -- escrita para a edição comemorativa de 1955 -- o autor de A Volta ao Mundo alude ao «velho terror» que o dominava sempre quer tentava aproximar-se literariamente da selva, abrindo feridas mal saradas: «Foi esse momento tão extraordinariamente grave para o meu espírito, que desde então não corre uma única semana sem eu sonhar que regresso à selva, como, após a evasão frustrada, se volta, de cabeça baixa e braços caídos, a um presídio. E quando o terrível pesadelo me faz acordar, cheio de aflição, tenho de acender a luze de olhar o quarto até me convencer de que sonho apenas [...]»

O Jornal, Lisboa, 2 de Novembro de 1990.

Monday, March 10, 2014

P&R [Pergunta & Resposta] - Eduardo Gageiro


Como saiu dessa situação?   Numa dada altura telefonaram-me para ir à redacção* e levar a máquina. Não tinham fotógrafo para fazer um trabalho e lembraram-se de mim. 'Não havia aí um miúdo, o que é feito dele? Deixei de o ver'. 'O João não o quer cá.' 'O João não o quer cá?!'. Isto soube eu depois. Fui fotografar o Ferreira de Castro para o suplemento literário. Fiz uma série de fotografias e depois sugeri: 'Não se importa de ir para aqui, para ali, disse que costumava escrever acolá...' Até tirei fotografias às mãos. Revelei o rolo com todo o carinho -- um rolo meu -- e mandei-o para a redacção.

Gostaram do trabalho?   Sou chamado ao director e ele diz-me: 'As tuas fotografias são diferentes. Tu é que passas a ser o fotógrafo di suplemento literário'. Era o que eu queria ouvir. [...]

Entrevista a José Cabrita Saraiva, Sol / Tabu, #392, 7.III.2014.

*Tratava-se do Diário Ilustrado.