«Esqueço-me de mim, mas não me esqueço da selva», escreveu Ferreira de Castro na 1.ª edição do seu romance, frase que o escritor, crítico e erudito espanhol Rafael Cansinos Assens -- que Jorge Luis Borges considerou seu mestre -- destacou em La Libertad, de Madrid (1930), para salientar como a floresta amazónica, na qual Castro mergulhara com 11 anos, se constituíra como parte integrante da sua personalidade.
Entre outros aspectos, analisa o gesto apocalíptico e final do negro Tiago (que o articulista compara ao Macambira de O Rei Negro, de Coelho Neto (1914): para Cansinos, o antigo escravo configura uma némesis, instrumento de vingança com intuito justiceiro: «Su reacción vindicativa los comprende a todos en su agresividad; es personal y solitaria, aunque asuma incidentalmente un sentido social y pueda parecer el desquite que por su mano se toma sobre el común expoliador esa casta inmensa de explotados que abarca hombres de todas razas y colores.»
Tiago está, portanto, distante de Alberto, cuja tomada de consciência da desumanidade, da iniquidade com que são tratados os seringueiros, leva a uma alteração de ponto de vista ideológico, em que a sociedade deixa de se justificar na sua arrumação classista e hierárquica, inconsistente com a dignidade intrínseca de cada homem e de todos os homens. El horror es civilizado, y la belleza, natural. -- foi a forma lapidar como Rafael Cansino Assens se referiu à monstruosidade concentracionária dos seringais.
No "Paraíso" (a ironia...) que Ferreira de Castro nos retrata, e em todos os outros, os homens não estão só manietados pelas dívidas contraídas, como se reduzem eles próprios à desumanização quando, pela quase inexistência de mulheres, se permitem violar uma criança, ou, animalizando-se recorrem a práticas de zoofilia. Os castigos corporais infligidos aos seringueiros fugitivos (sem haverem liquidado a dívida que tinham para com o dono do seringal), capturados pelos sicários de Juca Tristão, desencadeiam o gesto de Tiago -- a eliminação do opressor pelo fogo. Recurso que R. Cansinos Assens vê não apenas como um desenlace lógico da narrativa, como uma própria exigência estética dela: «Etica y Estética van más unidas de lo que se cree.»
Castro tinha uma relação próxima com muitos escritores espanhóis, em especial na década de 1920 (um aspecto por historiar). Com Cansinos ela foi intensa do ponto de vista espistolar, enviando-se mutuamente os livros, mais espaçada no pós-guerra (os espólios de um e de outro poderão testemunhá-lo com maior precisão). A forma como o escritor espanhol, inicia esta importante crítica no jornal madrileno* denota uma proximidade mais além da simples relação literária e epistolar: «Mientras Ferreira de Castro pasea por las Azores su neurosis litteraria y el pabéllon de «O Século», el gran periódico que le tiene por su insustituible cronista, nos llega de Oporto esta novela suya, «A Selva», que se inscribe en el ciclo iniciado por «Emigrantes» y que puede considerar-se auspiciado por una alta intención social.»
* coligida por Jaime Brasil, Ferreira de Castro e a Sua Obra, Porto, Livraria Civilização, 1931.
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