Como já tivemos oportunidade de escrever, um romance como Sinais de Fogo (1979) não foi, senão na sociedade livre em que se publicou. O que nos remete para a questão, por vezes irritantemente académica -- tal como o foi a do nosso feudalismo / senhorialismo, tal como o é a do nosso fascismo / autoritarismo --, que consiste no averiguar estatístico da existência, ou não, de obras-primas quedadas na gaveta, mercê de uma censura de meio-século. O crítico solerte, com argúcia de contabilista, deduzirá que muito poucos textos literários -- quase nenhuns --, vindos entretanto a lume, gozarão desse estatuto. Quando a interrogação deveria ser esta: quantos grandes romances, poemas, ensaios deixaram de ser escritos por causa da censura? (2) Houve, contudo, casos singulares, o mais notável dos quais terá sido o de Alexandre Pinheiro Torres, cuja integral produção romanesca até à data (cinco romances, entre A Nau de Quixibá, publicado em 1977, e A Quarta Invasão Francesa, de 1995) conheceu primeiras versões nos anos sessenta. (3)
(2) Ver uma aproximação a este assunto, conquanto focalizada essencialmente num autor: Ricardo António Alves, «Ferreira de Castro: Um escritor no país do medo», in Taíra, n.º 9, Crelit, Grenoble, Université Stendhal, 1997.
(3)Ver Eunice Cabral, «A gaveta prodigiosa», in JL-Jornal de Letras, Artes e Ideias, n.º 677, de 25 de Setembro de 1996, pp. 38-39.
Literatura, Artes e Identidade Nacional -- «Do Modernismo à Actualidade», separata das Actas dos 3.ºs Cursos Internacionais de Verão de Cascais - 1996, Cascais, Câmara Municipal, 1997, pp. 183-184.
(continua)
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