Saturday, October 31, 2009

Recordar Rocha Martins (2)

Autodidacta, Rocha Martins foi um historiador atípico. Essencialmente divulgador, tendo do passado uma visão eminentemente relacionada com os sucessos biográficos dos «grandes homens», atraído irresistivelmente pelo que de romanesco existe no percurso de uma vida -- daí a propensão para o romance histórico -- nem por isso deixava de bater as fontes, com desenvoltura e particular argúcia, em arquivos públicos e particulares, não dispensando também os contactos com descendentes daqueles que eram objecto da sua atenção.

Texto publicado no desdobrável da exposição bibliográfica e documental «Rocha Martins -- 50 Anos Depois (1952-2002)», realizada no Museu Ferreira de Castro, em Maio-Junho de 2002.

Thursday, October 29, 2009

«A cruel indiferença do Universo»: Raul Brandão e Ferreira de Castro (2)

Um dos textos mais interessantes e importantes é consagrado a Raul Brandão. Largamente judicativo, baseia-se nos três títulos emblemáticos que até então tinham vindo a lume: A Farsa (1903), Os Pobres (1906) e o Húmus (1917):

«O "Húmus é um grande livro: -- a erguer-se no campo florido do pensamento latino: -- estercolando revolta, esvrumando miséria e desgraça por todas as junturas: -- como um escarro dum gigante solitário sobre os tapetes macios duma sala de anões.» (2)

(2) Ferreira de Castro, «Raul Brandão», Mas..., Lisboa, 1921, p. 34.

Castriana, n.º 1, Ossela, Centro de Estudos Ferreira de Castro, 2002, pp. 112.

Friday, October 23, 2009

Neo-Realismo: contributo para dificultar um problema (2)

De duas, uma: ou Ferreira de Castro é um escritor neo-realista, talvez não o primeiro, mas o mais consistente romancista que, com Emigrantes, procurou descrever a realidade, denunciando-a e propondo uma alternativa, cerca de uma década antes de Alves Redol, com Gaibéus (1939), ou, caso contrário, Ferreira de Castro não é um escritor neo-realista, sequer precursor.
Anarquismo e Neo-Realismo -- Ferreira de Castro nas Encruzilhadas do Século, Lisboa, Âncora Editora, 2002, p. 73.

Sunday, October 18, 2009

Os retratos de Castro por Nobre (2)

O autor de Ontem e Hoje com Dom Quixote iniciou vida artística por volta de 1920, como assistente de realização e laboratório de Albert Durot, antigo câmara de Georges Pallu, o realizador de «Os Fidalgos da Casa Mourisca» (1920) , «Amor de Perdição» (1921), «O Primo Basílio» (1922) e um dos responsáveis pelas primeiras tentativas de se estabelecer uma actividade regular de cinema em Portugal. (3) Essa paixão pela 7.ª Arte, levá-lo-ia inclusivamente à realização. (4) Nele coabitavam, porém, múltiplos interesses: artes plásticas (em que foi um dos precursores do neo-realismo pictural português (5)), artes gráficas (o cartoon (6), a publicidade, a ilustração (7), o design de moda (8)) e a escrita.
(3) Anos mais tarde, recordaria: «[...] comprei, penosamente, uma sumária câmara Ernneman para as minhas experiências. Mas, por Júpiter, desconhecia até a velocidade que se devia dar à manivela.» Roberto Nobre, Horizontes de Cinema, 2.ª edição, Lisboa, Guimarães & C.ª, 1971, p. 10.
(4)Ver Luís de Pina, História do Cinema Português, Mem Martins, Publicações Europa-América, s. d., p. 54.
(5) Ver Fernando Alvarenga, Afluentes Teórico-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, Porto, Edições Afrontamento, 1989, pp. 13 e 69.
(6) Ver Maria Helena de Freitas, «Imagens e miragens de uma década», VV. AA., O Grafismo e a Ilustração nos Anos 20, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian -- Centro de Arte Moderna, 1986.
(7) Ver Margarida Acciaiuoli, «As capas das revistas e magazines», ibidem.
(8) Ver José-Augusto França, Os Anos Vinte em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 1992, p. 194.
«Os retratos de Castro por Nobre», Vária Escrita, Sintra, Câmara Municipal, 2001, pp. 33-42.

de passagem - Assis Esperança, PÃO INCERTO (1964)

Ao esboçar este seu romance, o autor pretendeu situá-lo no recuado período da dominação romana na Península, algumas das condições de vida nas «villae» rurais: trato e relações entre senhores, colonos e escravos, formas jurídicas da exploração do solo, corrupção de costumes, funções e procedimento dos «magistri» -- os capatazes de hoje -- em paralelo com o progresso moral e material dos nossos dias, muito principalmente no Alentejo e no Algarve. Acto de consciência pelo cotejo dos condicionamentos sócio-económicos de cada época, apreciaria, assim, o que fora, desde há séculos, a valorização da pessoa humana sob a pressão das contigências e retribuição do trabalho mais ou menos escravo, influências deprimentes, se não degradadoras, pela natureza das tarefas a que certas actividades sujeitaram e ainda sujeitam o Indivíduo. Houve, porém, que desistir desse intento por falta de elementos para a reconstituição avaliadora daqueles recuados tempos -- por muito que os rebuscasse na consulta a historiadores, investigadores e arqueólogos de maior crédito, Jerôme Carcopino e Menéndez Pidal (1) entre os de além-fronteiras. Quanto aos do nosso burgo, e sob aquele aspecto, nada mais que alusões. Nem admira. Quem os incita a esses estudos, subvencionado-os, ou subsidia as dispendiosas escavações arqueológicas? E sem arqueologia não há História.
(1) O leitor em parestos de curiosidade poderá consultar o 2.º volume da Historia de España: España Romana (218 anos a. C. -- 414 d. C.), dirigida por Menéndez Pidal, sobre os primitivos habitantes do Algarve, a invasão pelos Lusitanos, do Barlavento dessa província, no tempo dos Cónios, o arrasamento da sua capital, Conistorgis, a travessia para a conquista do Algarve Mauritano, e muitos outros sucessos, a darem-nos aquela tribo como laboriosa e pacífica. De interesse é, também, a hipótese de ter sido fundada, por ela, a cidade luso-romana de Conímbriga, Condeixa-a-Velha.
Assis Esperança, Pão Incerto, 2.ª edição, Lisboa, Portugália Editora, 1968, pp. 7-8.

Thursday, October 15, 2009

Cinco centenários -- Cartas inéditas de José Bacelar, Fernanda de Castro, Castelo Branco Chaves, José Gomes Ferreira, José Osório de Oliveira e F (1)


Continuando o trabalho de divulgação do espólio de Ferreira de Castro, dá-se à estampa -- actualizando a ortografia, mas mantendo a pontuação -- correspondência inédita de José Bacelar, Fernanda de Castro, Castelo Branco Chaves, José Gomes Ferreira e José Osório de Oliveira, no ano em que se assinalam os respectivos centenários, além de duas cartas do autor de A Selva. Desta forma continuará a Vária Escrita a apresentar-se como uma publicação de indispensável consulta a todos quanto estudam, não só Ferreira de Castro, como inúmeros escritores, artistas e outros intelectuais que com ele se relacionaram.
Vária Escrita, n.º 7, Sintra, Câmara Municipal, 2000, p. 131.

Monday, October 12, 2009

clássicos da bibliografia castriana - Jaime Brasil (1961)

A Terra
Se o chão onde germina e o cultivo que recebe influem na formação da planta, o homem, produto da terra, deve absorver, também, as suas marcas. Embora na formação da personalidade entre outros factores, alguns imponderáveis, quase sempre decisivos, o ambiente importa para a construção do ser. Qual foi, pois, o meio em que nasceu o escritor Ferreira de Castro? Uma aldeia perdida no coração de Portugal, tão remota e primitiva que, então, como ainda hoje, o pretenso veículo da civilização, o caminho-de-ferro, não se dignou incluí-la nos seus itinerários.
Jaime Brasil, Ferreira de Castro, col. «A Obra e o Homem», Lisboa, Editora Arcádia, 1961, p. 7.

Tuesday, October 06, 2009

Rocha Peixoto, OS PUCAREIROS DE OSSELA (1908)

Para fixar a lembrança desta rústica profissão moribunda, uma breve anotação tem seu lugar. Os actuais oleiros empregam dois barros, necessários para a plasticidade e consistência; um buscam-no em Lordelo, freguesia de Vila Chã do Cambra e o outro em Bustelo do Caima, na freguesia de Ossela. Misturados e pisados a maço e em seco numa pia de pedra, peneirados depois e por fim amassados à mão e com a água que baste, está pronta a pasta para ser modelada. A roda, assente e movente sobre o eixo do trabul, é a mesma, em configuração e dimensões, que se encontra nos arredores de Amarante e Baião (Portugalia, II, 75). Com o fanadouro (Id., 76) alisam as superfícies. E uma vez secas as loiças, a cocção efectua-se em covas (Id., 76 e fig. 5), e caruma, e abafando-se a fornada com terra antes de se levantar definitivamente o vasilhame.


Rocha Peixoto, «Os pucareiros de Ossela», Etnografia Portuguesa, organização, prefácio, notas e bibliografia de Flávio Gonçalves, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1990, p. 315.

Sunday, October 04, 2009

testemunhos #7 - Manuel Pinto Ferreira de Sousa

(foto)
O meu primeiro encontro com Ferreira de Castro deu-se em Julho de 1966, no Grande Hotel da Torre (Entre-Os-Rios). Costumava ele vir aí, desde 1956 aproximadamente, na época de veraneio para descanso e tratamento. À medida que ia estabelecendo diálogo com ele, fixei nas folhas modestas do jornal «O Penafidelense» (1), as descoloridas impressões, que colhi do seu contacto amigo. Nunca se discutiu, nem de religião, nem de política. Nunca lhe captei qualquer assomo ou ânsia metafísica. Apenas os seus passeios pelas terras de Penafiel, as conversas com o povo, os monumentos da região, os assuntos da natureza, da história e pré-história, e do trabalho de cada um alimentavam o tema espontâneo das entrevistas. Não olvidava os bons amigos seus. Para alguns deles abriu-me caminho cultural e correspondência epistolar, a qual guardo em escrínio precioso. Entre outros escritores nomeio Jaime Lopes Dias (2) e os brasileiros Homero Homem (3), Gondim da Fonseca (4)*, Carlos de Araújo Lima (5), aos quais tive a oportunidade de me referir publicamente.

(1) Vide «O Penafidelense» de 30-7-68, 2-11-68, 14-10-69, 19-1-71, 2-2-71, 16-2-71, 10-10-72, 2-10-73, 9-7-74 e 19-11-74.
(2) Vide «Etnologia -- Etnografia -- Folclore», em «Mensário das Casas do Povo», n.º 304 -- Outubro, 1971, e em «O Penafidelense», de 10-6-1969, onde faço referência à sua vasta cultura. As cartas, que me dirigiu, documentam a honrosa amizade do exímio escritor.
(3) Vide «Um poeta brasileiro», em «O Penafidelense» de 28-9-1971.
(4) vide «Camões e os Lusíadas», em «O Penafidelense», de 23-10-1973. Dele conservo cartas, que me dirigiu7 de excelente amigo e homen de letras.
* No artigo surge "Godim".
(5)Este colega e distinto Advogado enviou-me, como oferta gentil, a sua prestimosa separata do «Jornal de Letras», do Rio de Janeiro, «Com Ferreira de Castro no Minho» -- 1972.

Manuel Pinto Ferreira de Sousa, Encontros e Cartas de Ferreira de Castro, separata do Boletim da Biblioteca Pública Municipal de Matosinhos, n.º 25, Matosinhos, 1981, p. 3.