Friday, November 14, 2025

errâncias

«Afinal demorou pouco. Mal esvaziamos a chávena fumegante, voltamos ao carro e mandamo-lo, enfim, correr para as grandes noites da espécie humana, que os homens contemporâneos não conseguiram ainda iluminar de todo.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Nós vamos erguer, pela segunda vez, a nossa tenda na Grécia, que da primeira não quisemos escrever e ajuizar sobre tão multiforme terra, com tantas galas vestida, sem a termos observado novamente. De caminho, porém, deter-nos-emos em Gibraltar, Argel e Palermo, ligeiros ante-rostos do Mundo que vamos trilhar.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«Arribo a Hospitalet uma hora depois. Lugarejo cor de lebre, com um pequeno hotel que desempenha ali, entre as patas das serranias, o papel das antigas mala-postas, tem um ambiente de Far-West, cenário de filme de aventuras americano.» (1929) Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

1 comment:

Manuel M Pinto said...

«Camilo foi, sem qualquer margem à dúvida, o primeiro homem de letras que em Portugal se atreveu a fazer da arte da escrita uma profissão -- e profissão exclusiva, sem o recurso a uma outra actividade subsidiária de mais segura e estável remuneração. Não fez outra coisa na vida que não fosse escrever, e matou-se quando a cegueira o defraudou do único lenitivo que encontrou para as vicissitudes da tormentosa existência: o trabalho literário. Praticou o espantoso milagre, ou a insensata loucura, de romper com admirável coragem com uma tradição, de raízes fundas (que ainda hoje predominam), em que o escritor se via obrigado a viver da munificência dos grandes senhores ou tinha de se socorrer dos rendimentos de outras profissões. A esta regra não escapou nenhuma das grandes figuras do passado -- Camões, Tolentino, Bocage, e todos os outros --, que tinham de esmolar, a troco de um soneto ou de uma ode, desde a camisa à vianda para saciar a fome. Até o nobre Garrett, mais próximo de nós, teve de recorrer aos favores de amigos e admiradores para lhe colocarem na roda dos conhecidos, de mão em mão, uns quantos exemplares das maravilhas que mandava editar à sua custa.E, nos tempos modernos, não há escritor, a começar pelos de mais distinto gabarito, que tenha exercido "apenas a profissão de escritor", ressalvando a meia-dúzia de celebridades que se atreveu à aventura, por períodos mais ou menos dilatados. A única excepção, que me lembre, foi Ferreira de Castro. Mas os restantes, ou já tinham exercido outras profissões ou a elas voltaram, desiludidos com a frustrada experiência. Camilo Castelo Branco foi o exemplo mais exaltante de profissionalismo nas letras de todos os tempos: escritor apenas, e só escritor.»
Alexandre Cabral, «Camilo Castelo Branco, Roteiro Dramático Dum Profissional das Letras", (Centro de Estudos Camilianos: 3ª Edição - 1995). [Prefácio, pp. 16/17]