Wednesday, December 19, 2007

Ferreira de Castro e o seu tempo - o ano de 1898 (#1)

Dou hoje início a um projecto de cronologia de Ferreira de Castro, articulada com a da época em que viveu.
O método de postagem será fragmentário e não-linear, o que significa que não haverá um grande respeito cronológico...
Para futura orientação, recomendo a consulta dos marcadores, no final de cada post.



1898


Castro - 24/V - Nasce nos Salgueiros, freguesia de Ossela, concelho de Oliveira de Azeméis, distrito de Aveiro. Filho de José Eustáquio Ferreira de Castro e Maria Rosa Soares de Castro, camponeses, caseiros da família Gomes Barbosa.
Castro sobre Ossela - A distância sublima a aldeia: anula os seus defeitos, agiganta e doira as suas virtudes. A nostalgia que me torturou durante os nove anos de emigração, sem o conforto de saber se poderia jamais voltar, foi, dos muitos outros sofrimentos que suportei no espírito, um dos dois mais cruéis de toda a minha vida. / Para mim, a aldeia em que nasci não é apenas a infância que nela me decorreu, incompreendida e triste, é também a poesia que já então lhe captava, a poesia que ela tinha, mais tarde inflamada por aquela de que eu mesmo a impregnei. Poesia que tantas vezes me retira a lembrança dos dias infantis, para recordar apenas o encanto da Natureza, que eu não conseguia evocar, lá longe, nas ardentes paragens do exílio, sem fervor e sem desespero. «A aldeia nativa», Os Fragmentos, 2.ª edição, Lisboa, Guimarães & C.ª Editores [974] pp. 45-46.






Texto - Abel Botelho, Mulheres da Beira e O Livro de Alda.
Castro sobre Botelho - Quereis personagem mais romântico e mais humano que o protagonista do «Amanhã», de Abel Botelho -- que se sacrifica entre as asas do Amor e a alvorada do Ideal -- e cuja cabeça, sangrenta, decapitada, rola como um troféu raro, como um destroço do Sonho, até aos pés da mulher amada -- dessa mulher a quem a luz dum novo dia vai envolvendo, suavemente, redentoramente? «Os românticos do realismo», A Batalha -- Suplemento Semanal Ilustrado, n.º 38, Lisboa, 18/VIII/1924.




Confronto - Joseph Conrad, Histórias Inquietas e O Negro do Narciso.
Castro sobre Conrad [a propósito de Mar Morto, de Jorge Amado] - Conrad, que amava as figuras dos oceanos, é, comparado com Jorge Amado, um... frio matemático. Diário de Lisboa, 1936, apud Jorge Amado: Trinta Anos de Literatura, São Paulo, Livraria Martins, 1961, p. 140.






Contexto - 9/II - Concessão de Hong Kong aos ingleses, por 99 anos.

A baía de Hong Kong (1939).
Foto FCastro/Elena Muriel, in A Volta ao Mundo, Lisboa Empresa Nacional de Publicidade, 1939

Castro sobre Hong Kong - Antes mesmo de pisar terra, quem arriba surpreende, no porto, espectáculo bem oriental. No meio dos navios fundeados há uma incontável multidão de juncos [...]. Cerca de 100 000 chineses vivem, permanentemente, com as mulheres e os filhos, nestas embarcações. [...] No estreito convés realizam todos os actos da vida doméstica. [...] não falta, sequer, um galinheiro à popa. [...] Rechonchudas crianças, de dois ou três anos, andam tranquilamente no rebordo dos barcos, ali onde qualquer de nós teria de fazer, para não cair, equilíbrios de homem em corda bamba. As mães destes pequeninos chineses usam calças e exibem o tronco em plena nudez, as tetas caídas e queimadas pelo sol. Como as de terra, estas mulheres a tudo se sacrificam, resignadamente. Elas acorrem a todas as necessidades da meia dúzia de tábuas oscilantes que o destino lhes deu para patíbulo da sua vida e, quando pretendem deslocar-se, agarram-se às extremidades dos enormes remos e remam que nem antigos escravos de galera. / Atrás desta população boiante ergue-se a famosa Hong Kong, também Cidade da Vitória chamada. Três ruas compridíssimas, apenas três ruas, ligadas por outras transversais, a constituem. Majestosos edifícios ocupam a primeira parte destas grandes artérias. É o mundo dos negócios, onde imperam ingleses e americanos. Bancos, companhias de navegação, outras empresas, dão a este trecho da cidade o mesmo pesado orgulho dos bairros comerciais de Londres. Tudo se apresenta com modernidade e soberbia. [...] Mas, em breve, as três longas ruas perdem a sua feição ocidental e se metamorfoseiam em rumoroso e pitoresco bairro chino. É já outro comércio, um comércio miúdo de comestíveis, de sedas e de obras de arte. A Volta ao Mundo, vol. III, s.ed., Lisboa, Guimarães & C.ª, s.d., pp. 62-63.


Pintura de 1898 - Arnold Böcklin, A Praga
Castro sobre Böcklin - Agradar parecia ser o único objectivo da sua arte e isso proporcionou-lhe um êxito fácil. As Maravilhas Artísticas do Mundo, vol. III, s.ed., Lisboa, Guimarães & C.ª-Editores,1971, p. 328.


Museu de Belas-Artes, Basileia

Poesia de 1898 - Ó árvores, irmãs de todos nós, um dia / Há-de esta alma reunir-se à vossa alma dormente... Júlio Brandão, «Árvores»,

Música de 1898 - Grieg, Danças Sinfónicas.

Escritores de 1898 - José Dias Sancho, ficcionista, poeta, polemista, desenhador e jornalista, em São Brás de Alportel (m. Faro, 1929); Federico García Lorca, poeta e dramaturgo, 5/VI (19/VIII/1936). Morrem em 1898 - Joaquim da Costa Cascais, dramaturgo, em Lisboa, 7/III, Lisboa (n. Aveiro, 29/X/1815); Stéphane Mallarmé , em 9/IX (n. 18/III/1842).



Ecos de 1898 - Lisboa, 24/V. Eça de Queirós a sua mulher, Emília de Castro, dando conta de exigência da Revista Moderna: «depois de me ter dado tempo largo para enviar Ramires, agora o exige à pressa e à lufa-lufa.» Correspondência, vol. II, leitura, coordenação, prefácio e notas de Guilherme de Castilho, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983, p. 451.

Castro sobre Eça - (comparando com Fialho) - Eça era tapete de milionário, Fialho tapete de burocrata. Eça era fino e subtil como um tapete da Pérsia, Fialho duro e grosseiro: -- daqueles «Faz favor de limpar os pés». Mas... A ironia é a arma do fraco contra o Forte. Do vencido contra o Vencedor. [...] O eterno sorriso dos irónicos é o eterno desejar dos despeitados. «Pedras ao poço», Mas..., Lisboa, edição do Autor, 1921, p. 18; Ao lermos Eça, temos a sensação de que a sua secretária estava erguida sobre uma cidade que se relacionava já com o mundo pela T.S.F. A secretária de Fialho, ao contrário, estava situada numa aldeia. «Regionalismo e internacionalismo - Resposta a José Dias Sancho», A Batalha, n.º 98, 12/X/1925. - (comparando com Camilo) - [...] por temperamento, escola literária, orientação de cultura e até pela vida, tão diversa, que cada um levou, Eça compreendia o homem muito melhor do que Camilo. Este via, quase sempre, as suas personagens unilateralmente, pelo amor, pelo ódio, pelo sarcasmo, pelo bem ou pelo mal. Preocupava-se, acima de tudo, com o ruído do relógio, ao passo que Eça gostava de desmontar o relógio peça por peça. De certa maneira, para Camilo, cada personagem representava um sentimento, para Eça representava todos ou quase todos os sentimentos. Camilo aliava ao seu grande talento uma forte cultura sobre a vida nacional, inclusive sobre genealogia, coisa completamente inútil para um romancista que não escreva romances históricos. Parece, porém, que nunca se preocupou de modo profundo com a filosofia. Eça, pelo contrário, captara as inquietudes filosóficas do século XIX e as suas experiências psicológicas, valores perante os quais Camilo reagia, muitas vezes, pelo desdém. Daí os habitantes da obra de Eça serem mais ricos de conteúdo, mais variados, mais verdadeiros psicologicamente, mesmo quando o romancista os deformou com demasiados traços caricaturais... «Ferreira de Castro -- o mais universal dos romancistas portugueses -- fala da universalidade de Eça de Queirós» [entrevista a Jaime Brasil], O Primeiro de Janeiro, «Das Artes e das Letras», 1/11/1944.

actualizações: 19, 20,21/X/2007

Sunday, December 09, 2007

Castro e Romeu Correia

finais da década de 60 início da de 70
(foto enviada por Paulo Cunha Porto)

Monday, November 26, 2007

De passagem - A LÃ E A NEVE (1947)

(post para o Cão)

Logo que as cabras e as ovelhas entestaram à corte, o «Piloto» deu por findo o seu trabalho. E antes mesmo de o pastor, que lhe aproveitava os serviços, se dirigir a casa, ele meteu ao extremo da vila. Rabo entre as pernas, focinho quase raspando a terra, ia triste, cismático, como perro vadio de estrada, descoroçoado da vida. Subitamente, porém, sorveu no ar algo que lhe era conhecido. A cauda ergueu-se num ápice, formando volta que nem cabo de guarda-chuva; a cabeça levantou-se também e nela luziram os olhitos até aí amortecidos. «Piloto» estugou o passo. O caminho estava cheio de tentações, de paragens obrigatórias, estabelecidas por todos os cães que passaram ali desde que Manteigas existia, desde há muitos séculos. Forçado a deter-se, ele regava, à esquerda e à direita, rudes pedras, velhos castanheiros, velhos cunhais, mas fazia-o alegremente e com o visível modo de quem leva pressa. Em seguida, voltava a correr no faro do seu dono. Cada vez o sentia mais perto e cada vez era maior o seu alvoroço. Por fim, lobrigou-o. Horácio estava junto de Idalina, também conhecida de «Piloto»; estavam sentados num dorso de rocha que emergia da terra, ao cabo das decrépitas e negrentas casas do Eiró, no cimo da vila. E tão atarefado parecia Horácio com as palavras que ia dizendo à rapariga, que não deu, sequer, pela chegada do cão. Vendo-o assim, «Piloto» hesitou um instante, enquanto agitava mais a cauda e tremuras de alegria lhe percorriam o corpo. Logo se decidiu. E, humilde, foi colocar o focinho sobre a coxa do amo, como era seu costume quando este o chamava, à hora da comida, nos dias em que os dois andavam pastoreando o gado, lá nos picarotos da serra. Só então o amo deu por aquela presença. Ele regressara nessa tarde do serviço militar e, no entusiasmo de ver pai e mãe, os vizinhos, e, sobretudo, Idalina, não se havia lembrado ainda do seu antigo companheiro. Agora, porém, afagava-lhe a cabeça e metia, enternecido, um parêntesis na narrativa que estava fazendo:
-- Olha o «Piloto»! O meu «Piloto!»
A Lã e a Neve, 15.ª edição, Lisboa, Guimarães Editores, 1990, pp. 17-18.

Tuesday, November 20, 2007

Saturday, November 17, 2007

100 Cartas a Ferreira de Castro


2.ª edição, refundida
Câmara Municipal de Sintra / Museu Ferreira de Castro e Instituto Português de Museus
Sintra, 2007

Wednesday, September 19, 2007

3 Mestres



No dia em que os restos mortais de Aquilino são trasladados para o Panteão Nacional.

Castro e Aquilino, apesar de gerações diferentes, partilharam um percurso comum, cheio de cumplicidades, de que muito se falará aqui espero eu. Para já diga-se, apenas, que eles foram os dois escritores que pontificaram em 30 anos na vida cultural portuguesa, entre as décadas de 30 e 50. E apesar das diferenças, a começar pela idade, ainda hoje há muitos leitores que naturalmernte juntam este par quando a sua época é evocada -- o que tem que ver, parece-me, com questões paralelas à literatura. Por agora fiquemos com esta fotografia de Ferreira de Castro, António Sérgio e Aquilino Ribeiro à porta da Livraria Bertrand no Chiado.


Fonte: Vida Mundial Ilustrada, Lisboa, Agosto de 1941.


Wednesday, August 15, 2007

Castro na blogosfera

Um apontamento sobre O Senhor dos Navegantes no Vilibordo.

Friday, August 10, 2007

Memória #3 - João Sarmento Pimentel


[ou Uma Galeria da Oposição em 19590]
António Sérgio, Cunha Leal, Mário de Azevedo Gomes, David Ferreira, Adão e Silva, Sant'Anna Dionísio, Rodrigues Lapa, Augusto Casimiro, Afonso Duarte, Joel Serrão, José Tagarro, Lobo Vilela, João da Silva, Hernâni Cidade, Nuno Simões, Aquilino Ribeiro, Manuel Mendes, Julião Quintinha, José Augusto França, Casais Monteiro, Ferreira de Castro, José Bacelar, Jorge de Sena e tantos outros dados às cousas da cultura e da inteligência, que a varredoura do Ferro não conseguira pescar, matinham o mesmo espírito lúcido, combativo, cheio de coerência e dignidade que lhes vinha dos tempos heróicos da República.
João Sarmento Pimentel, Memórias do Capitão, Porto, Editorial Inova, 1974, pp. 372-373.

Thursday, July 26, 2007

marcador

Museu Fereira de Castro,
marcador, 200x45 mm
edição: Câmara Municipal de Sintra, s.d.

Saturday, July 21, 2007

Testemunhos - Rocha Martins (5)

Traduzida para espanhol a sua novela O Êxito Fácil, teve a facilidade de êxito de todas as belas composições; colaborando no ABC em quase todos os seus números, desde há um ano, tem recebido os maiores aplausos, trabalhando sempre na mais leal das camaradagens, escrevendo noite e dia, sacrificando-se como um campónio a cavar na sua horta para obter o seu alimento, é também como um jardineiro artista a cultivar noutros alegretes as suas flores deliciosas: a obra da sua alma, a do seu amor, a da sua sensibilidade, que são as páginas desenhadas carinhosamente como as das novelas a publicar em breve Sendas de Lirismo e de Amor e A Morte Redimida.
Lutador de sempre, imaginação fértil, pensador honesto e brilhante, revolucionário de ideais e de processos, Ferreira de Castro -- o autor da Peregrina do Mundo Novo -- que ABC vai começar a publicar na próxima semana, tem já vencido dificuldades enormes e conseguiu um lugar de detaque, afirmou-se e chegará aos mais altos postos da literatura nacional. Será isto maior consolo para a sua alma de idealista do que a posse da gadanha aguçada, própria para cortar os frutos altos dos bens materiais, que raramente deixam jorrar o seu sumo sobre os que batem a sua moeda na bigorna da imaginação, do talento, da arte e é pródiga para os das maleáveis e vis curvaturas ante os que a fortuna já acariciou.
Rocha MARTINS, «O auctor da novela "A Peregrina do Mundo Novo"», ABC, n.º 263, Lisboa, 30 de Julho de 1925.
Capa tirada aqui.

Tuesday, July 17, 2007

Testemunhos - Rocha Martins (4)





Aquelas duas novelas chamaram as atenções para os trabalhos do artista que se abalançou a planos maiores escrevendo, com Eduardo Frias -- outro lutador de sacrifício -- a Boca da Esfinge, recebida pela crítica com louvores.


São ensaios que valem por obras definitivas alguns dos trechos assinados por Ferreira de Castro, cujas grandes qualidades são clareza de exposição, intensidade dramática, prosa viva, por vezes ardente, vibrante, sem desvio do assunto para largas retóricas ou para s torcidas frases tão singulares dalguns dos escritores da sua geração.
Rocha MARTINS, «O Auctor da novela " A Peregrina do Mundo Novo"», ABC, n.º 263, Lisboa, 30 de julho de 1925.
[continua]







Thursday, July 12, 2007

Uma fotografia de Ruela

O Domínio do Vale de Ossela 3


Com esta fotografia, Ruela, autor do blogue Artes Plásticas, ganhou o concurso de fotografia digital promovido pelo Centro de Estudos Ferreira de Castro.

O Vale de Ossela, páginas magníficas lhe dedicou o escritor.

Parabéns, Ruela, é com muito gosto que a posto aqui!

Wednesday, July 11, 2007

Testemunhos - Rocha Martins (3)

Não há dúvida, é alguém. É alguém, muito novo ainda, mas temperado pelas agitações duma infância de trabalho, longe dos seus, no Amazonas, na selva, entregue a si próprio, aprendendo a grande luta e a enorme resignação. O segredo do seu triunfo que é o segredo da sua resistência.
Viver da pena em Portugal, sem praticar traficâncias, é tão difícil e duro como a existência no sertão acrescentado-se-lhe ainda o custo das gravatas nas florestas.
Ferreira de Castro da sua pena vive como um cavaleiro doutrora dedicado à defesa dum ideal e jungindo-se com ele a todas as dores, trazendo espinhos sob a armadura reluzente.
Rocha MARTINS, «O auctor da novela "A Peregrina do Mundo Novo"», ABC, n.º 263, Lisboa, 30 de Julho de 1925.
[continua]

Friday, July 06, 2007

Testemunhos #2 - Rocha Martins (2)



Por vezes chega-se à alucinação e fica-se pelo caminho enquanto os outros, com facilidades editoriais, à própria custa, surgem e são falados. É enorme, é quase legião o número de ricos editados em luxuosos papéis, ao passo que num canto de oficina ou de redacção, poetas de talento maior que o deles murmuram os seus versos e só têm o desafogo de os dizer à mesa dos cafés. A imprensa geralmente festeja e acaudilha os moços de veia rimadora, os prosadores preciosos, os escritores daquela espécie e nem sempre exalta os que se lançam nesta carreira das letras armados apenas da sua coragem, do seu talento e do seu sonho.
Pertence a esta categoria o jovem novelista do Mas... que Coelho Neto sintetizou assim: «obra de análise, por vezes aspérrima mas sempre brilhante. O ferro que corta é de boa têmpera e reluz».
Estas palavras do ilustre romancista brasileiro são definidoras.


A estreia de Ferrreira de Castro foi saudada daquela maneira por um escritor consagrado. Raul Brandão disse-lhe, acerca do Sangue Negro, outra novela de recorte e de acção: «o senhor escreve sem se deter em pormenores inúteis e escolhe sempre para assunto, ao contrário do que fazem para aí todos os fúteis problemas cheios de grandeza e humanidade. É alguém».

Rocha Martins, «O auctor da novela "A Peregrina do Mundo Novo"», ABC, n.º 263, Lisboa, 30 de Julho de 1925.
[continua]

Tuesday, July 03, 2007

Testemunhos #2 - Rocha Martins (1)


Na moderna geração dos prosadores portugueses Ferreira de Castro talhou o seu caminho. Como todos os dominados por uma paixão sacrificou à literatura todas as outras sensações porque ela, só por si, como um dom divino, lhe encheu a alma.
Assim como há mulheres que sofrem para ser belas, também há artistas que a todos os sofrimentos se condenam pela sua arte. É o caso deste rapaz que, com uma paciência heróica e uma hercúlea vontade, veio plantar o seu pendão na ala moderna da literatura nacional, com brio e dignidade, conseguindo ser notado ao cabo dalguns anos de labor.
Ferreira de Castro é um escritor pobre. Daí merecer maior admiração que os instalados na existência, atrás dos reposteiros da existência ou nos palácios dos papás financeiros ou grandes proprietários. Estes só sentem o tormento de criar; nos pobres vive esse tormento transformado em horror porque têm de ganhar o seu pão diariamente em tarefas inferiores, que não desonram, mas são roubadas ao sonho.
Rocha MARTINS, «O auctor da novela "A Peregrina do Mundo Novo"», ABC, n.º 263, Lisboa, 30 de Julho de 1925.
[continua]

Sunday, June 24, 2007

uma capa de Roberto Nobre

Pequenos Mundos e Velhas Civilizações
«número specimen»
Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade [1937]

Tuesday, June 05, 2007

Tuesday, May 29, 2007

De passagem - EMIGRANTES (incipit)


Preta e branca, preta e branca, o preto mui luzidio e muito níveo o branco, a pega, de cauda trémula, inquieta, saracoteava entre carumas e urgueiras, esconde aqui, surge ali, e por fim erguia voo até a copa alta do pinheiro, levando no bico ramo seco ou graveto.
Emigrantes, 24.ª edição, Lisboa, Guimarães Editores, 1988, p. 19.

Tuesday, May 22, 2007

Ruela

Pintura e escultura inspiradas n' A Selva
no blogue de Ruela

Sunday, May 20, 2007

Uma capa de João Abel Manta

Os Fragmentos
Lisboa, Guimarães & C.ª Editores [1974]

Saturday, May 05, 2007

Pensar melhor

José Pimentel Teixeira (ou JPT) do Ma-Schamba teve a generosidade de indicar o «Ferreira de Castro» para os Thinking Blogger Awards, o que lhe agradeço. Vou, por isso, indicar também cinco blogues que (me) fazem pensar, melhor.

Monday, April 30, 2007

1 ano

Há um ano avancei com este blogue para «ir estando com o autor de A Selva». Passados doze meses, regresso à floresta, com o seu último romance, talvez o menos conhecido -- se esquecermos o azarado O Intervalo. O escritor que aos 28 anos nos dera Emigrantes, um virar de página numa literatura, e A Selva aos 30, em que se transcendera e com o qual extravasara as fronteiras periféricas do seu país; depois, os largos recursos decritivos evidenciados em Terra Fria, a grande fábrica romanesca que apresentara em A Lã e a Neve, o romancista de ideias A Curva da Estrada e de A Missão, surge aqui no domínio pleno de todas as suas capacidades de construtor de mundos.

Sunday, April 29, 2007

Uma capa de Bual

O Instinto Supremo
Lisboa, Guimarães Editores, 1968

Monday, April 23, 2007

«Bibliofilia e livros russos»: a propósito de «A Lã e a Neve»

Gostaria de fazer um link directo para o post de José Pacheco Pereira do dia 14 no Abrupto
mas a minha azelhice não o permite. Nele surgem alguns livros que a família de Francisco Ferreira -- o Chico da CUF, autor do crítico 26 Anos na União Soviética --, antigo operário e dissidente do PCP lhe ofereceu, entre os quais a tradução russa de A Lã e a Neve, por A. Torres e A. Ferreira, editada em Moscovo, em 1959.
A Lã e a Neve é, depois de A Selva, o mais traduzido romance do autor. Esta vem na sequência de outras publicadas também no Bloco de Leste, como as duas nas línguas da Checoslováquia e na Hungria, aqui com vária edições. Mas surge também após a edição no Brasil, na Editorial Vitória, editora do PCB, na colecção «Romances do Povo», dirigida por Jorge Amado.
Amigos muito chegados desde a primeira metade da década de 30, cuja amizade assistiu a curiosos episódios durante o Estado Novo, estando o autor de Jubiabá proibido de entrar em Portugal durante longos anos, não importou muito ao brasileiro que A Lã e a Neve pouco tivesse que ver com os cânones do realismo socialista -- ou neo realismo, entre nós --, dado o posicionamento anarquista que sempre foi o do escritor português. Este era o romance de Ferreira de Castro preferido por Jorge Amado (1) e o seu objectivo, conforme contou na longa entrevista a Alice Raillard, era o de «dar uma visão da literatura dos países socialistas, da literatura progressista, mas não obrigatoriamente a do Partido.» (2)


A Lã e a Neve, ao relatar a proletarização nas fábricas têxteis da Covilhã de Horácio, um pastor da serra da Estrela que pretendeu melhorar a vida, após ter tomado contacto com outras realidades durante o serviço militar, entusiasmou muitos dos neo-realistas. Era aliás citado por Álvaro Cunhal, no célebre artigo «Cinco notas sobre forma e conteúdo» (1955), dando-o como exemplo literário de «arte ascendente», ao lado de Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes e de Fanga, de Alves Redol. (3) Exemplo, aliás, repetido no seu ultimo ensaio, A Arte, o Artista e a Sociedade (4).

Apenas, que eu saiba, Mário Dionísio viu, logo em 1947, numa extensa recensão na Vértice, que nem Castro nem A Lã e a Neve em particular podiam ser considerados «neo-realistas», pelo menos de um ponto de vista ortodoxo. Isto é, se a superação da realidade existente fosse advogada de outro modo que não o da luta organizada do proletariado enquadrada no Partido que se reivindicava como sendo o seu, não podia uma obra, de acordo com o futuro poeta de Terceira Idade, ser qualificada como tal. (5)
Esta questão, sobre se ao neo-realismo subjaz uma linha "oficial" e uma dogmática, não era consensual, e ainda hoje o não é. Há quem considere, como Urbano Tavares Rodrigues, que outras visões de transformação do real e da luta de classes podem coexistir dentro do que se convencionou designar por «neo-realismo». (6)
Ferreira de Castro sempre fora um público e notório autor libertário, um comunista libertário de inspiração kroptkiniana. A Lã e a Neve, que tem como grande figura moral a personagem central do velho anarquista Marreta, esperantista e vegetariano, que apresenta o patrão, contra quem os operários fazem greve, como uma figura inevitavelmente revestida de humanidade e não como um simples arquétipo negativo e que finalmente aponta a concretização de uma sociedade nova para uma etapa posterior da vida colectiva, pouco definida, mas conquistada não só pela luta de classes -- que sempre esteve presente nos romances de Castro --, como pela alteração das mentalidades e da própria ontologia do ser humano, eram naturalmente ideias passíveis de conflituar com as que defendiam a conquista do poder pela vanguarda da classe operária organizada em partido.

Nada enfim que levantasse obstáculos ao seu velho amigo Amado, para quem, no fim da década, Castro faria o prefácio da primeira edição portuguesa de Gabriela, Cravo e Canela...

(1) In Quirino TEIXEIRA, Na Bahia com Jorge Amado, Lisboa, Centro Nacional de Estudos e Planeamento, 1985, p. 59.

(2) Jorge AMADO, Conversas com Alice Raillard, tradução de annie Dymetmann, Porto, Edições Asa, 1992, p. 200.

(3) António VALE [pseudónimo de Álavaro Cunhal], «Cinco notas sobre forma e conteúdo», Vértice, vol. XIV, n.º 131-132, Coimbra, Ag.-Set. de 1954, p. 481.

(4) Álvaro CUNHAL, A Arte, o Artista e a Sociedade, Lisboa, Editorial Caminho, 1999, p. 99.

(5) Mário DIONÍSIO, «A Lã e a Neve por Ferreira de Castro», Vértice, vol. IV, n.º 49, Coimbra, Agosto de 1947, pp. 302-307.

(6) Urbano Tavares RODRIGUES, Um Novo Olhar sobre o Neo-Realismo, Lisboa, Moraes Editores, 1981, pp. 14-15.

Sunday, April 08, 2007

Outras palavras #3 - Alexandra Kollontai

A sua acção revolucionaria, as suas conferencias iconoclastas, as suas doutrinas de rebelde, que a levavam a uma vida forçadamente errante, só eram conhecidas dos povos do norte da Europa. Companheira de de Kautsky, de Rosa Luxemburgo, de Clara Zetkin, esta mulher culta inteligente, gastou a sua mocidade a pregar a emancipação humana, o progresso das ideias, a integração da especie dentro duma vida mais justa, mais elevada, menos iniqua do que a actual. Sofreu, por isso, todas as perseguições [...]. Mas, com a vitória da revolução de 1917, quasi tudo isso terminou. Alexandra Kolontay constituiu mesmo uma das muitas surpresas que esse movimento trouxe ao mundo. [...]
Homens e mulheres teem sofrido, atravez de longos seculos, os mais grosseiros vetos, os mais incompreensiveis obstaculos, porque as religiões e a mentira social crearam, para a vida do sexo, origem da vida universal da especie, os anatemas e os preconceitos mais ofensivos da nossa própria inteligencia. E tão grande é o prejuizo milenario, que nem os cerebros mais rebeldes puderam fugir de todo à sua influencia, sendo, ainda hoje, frequentissimo vermos espiritos superiores sorrirem, ironicamente, das questões sexuais, como se elas constituissem, apenas, volupia de alcova, pecado desculpavel ao individuo que o pratica e não razão suprema da colectividade.
[...]
As mulheres [...] foram sempre as mais sacrificadas. Acumulavam com o papel de simples objectos de prazer masculino, o papel de escravas. Acumulavam e, de certa maneira, acumulam ainda, se não em todos os paises, pelo menos numa grande extensão do planeta.
[...]
O novo tipo feminino, emancipado, consciente, a nova mulher que quer viver para compaheira do homem e não para sua escrava, essa mulher que veio da literatura para a vida e que Kolontai apresenta e estuda com fraternal carinho, podia constituir, só por si, o segrêdo do êxito deste livro. [...]
Êste livro corresponde à nova moral em formação, em que homens e mulheres não tenham, economicamente, de ser escravos de alguns dos seus semelhantes e, sexualmente, de cairem na devassidão ou de se protituirem, porque do amor, razão suprema da vida, fizeram uma obscenidade ou um objecto de comercio. [...]
Prefácio ao livro de Alexandra Kollontai, A Mulher Moderna e a Moral Sexual, tradução de Ester do Monte e Freitas, Lisboa, Livraria Minerva, 1933, pp. 5-14.

Saturday, March 31, 2007

Um poema de João de Barros

CAMINHO

a Ferreira de Castro

Dizem aqueles tristes que julgaram
Ter vivido num dia toda a vida:
-- É tudo engano e a alma aborrecida
Morre dos ideais que alucinaram...

E aos outros gritam: -- Onde, esta subida
Atrás das ilusões que vos chamaram?
-- Loucos, parai... Só esses que pararam
Chegaram à verdade apetecida!

Mas nós -- nem os ouvimos, nós, os fortes
Que através de mil prantos e mil mortes,
Sabemos que a verdade ou a ilusão,

-- Ideia altiva ou corpo de mulher --
Nunca podem fugir a quem tiver
Beijos de amor e garras de ambição!





Humilde Plenitude, Lisboa, Livros do Brasil, 1951

Sunday, March 18, 2007

«A prodigiosa aventura do homem através da arte» #2 - Tamayo, «Auto-retrato»

Museu de Arte Moderna, Cidade do México

As Maravilhas Artísticas do Mundo, vol. II, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1959-1963, extratexto, pp. 976-977

Brasil escreve a Castro, no Abencerragem

Thursday, March 08, 2007

Ouvir A Selva

Já li A Selva, mas também já a ouvi nas palavras de Ferreira de Castro.

Friday, March 02, 2007

O que me apetece dizer

Quando eu era pequeno, passava de vez em quando pelo escritório e demorava-me nas prateleiras das biografias. Eram as grandes figuras por todos conhecidas, do Beethoven de Emil Ludwig ao Disraeli de André Maurois, passando por um diabólico Átila, o Huno, cujo nome do autor se me varreu. Havia, porém, um volume que me chamava a atenção, logo pelas letras impressas na lombada, dum vermelho vivo sobre o branco sujo do papel («Olha-me a estante em cada livro que olha.», escreveu o poeta brasileiro Pedro Kilkerry...), e pela circunstância de ser dos poucos, ou mesmo o único naquela secção, cujo nome eu podia ler sem dificuldade: tratava-se de Leonardo da Vinci e o Seu Tempo, numa boa edição da Portugália, publicada em Lisboa, no ano de 1959. O seu autor era Jaime Brasil, e começava desta forma: «Assim como há pessoas com sorte e outras toda a vida malfadadas, certas cidades parece terem surgido sob um signo feliz.»

Anos mais tarde, o nome de Jaime Brasil aparecia-me quase invariavelmente ligado a este género histórico-literário-ensaístico, tão negregado pelos epígonos nacionais da historiografia da revista Annales. De Zola a Balzac, de Victor Hugo a Diderot, de Velásquez a Rodin e Ferreira de Castro...
O privilégio que tenho de trabalhar no espólio do autor de A Selva permitiu que tomasse contacto com quarenta anos de correspondência de Brasil para Castro, e pudesse apreciar um epistológrafo de primeira água, a par do jornalista e do demiurgo que pôs em letra de forma a vida daqueles que se propôs evocar.
Encontrei um homem difícil, como todos os que com ele privaram reconhecem, impregnado de um pessimismo que só a arte e o amor em sentido lato podiam contrariar. Mas é justamente esse sentimento de fraternidade e partilha deste individualista notável que permite compreender a adequação interior a um ideal libertário presente nos seus escritos. A ele se pode aplicar a autodefinição de Romain Rolland, que se dizia racionalmente pessimista, mas optimista pela vontade.
E encontrei também um dos maiores epistológrafos portugueses. A correspondência de Jaime Brasil, não pensada para a publicação, seduz pelo brilho, a desenvoltura, a coloquialidade que logrou alcançar, como se de conversa efectiva se tratasse, para além de uma variedade de informações que nos dá.
Mas a carta funciona muitas vezes como um S.O.S de náufrago, de pedido de socorro de desterrado, seja no exílio, no cárcere ou no meio adverso de quem se encontra rodeado de seres de outro planeta, que de semelhante têm apenas a aparência. Essas solidões cheias de gente à volta são por vezes as mais dolorosas, e este epistolário é disso mesmo um testemunho amargo. É nos períodos de maior agudeza nas contariedades que surge um descarnamento que impressiona pelo modo como o auto-isolamento de Brasil é assumido. «A pobre rã que sou voltou a cair no charco.», escreve a Ferreira de Castro em momento de maior desalento. Esta circunstância, que não poucas vezes o leva ao sarcasmo mais brutal, não deixa em segundo plano a ironia, que nele é um traço estilístico distintivo.

Vejamos a Carta LXVII, datada de Paris, em 2 de Novembro de 1949 (pp. 117-120). Depois de aludir ao seu «estado depressivo», semelhante, de resto, ao que Castro lhe manifestara na missiva que lhe enviara, Brasil vê na troca de correspondência uma terapia para ambos:
«Escrevendo-lhe tenho a impressão de que converso consigo e até a ilusão de lhe poder ser útil, para ajudar a dissipar a tristeza que a sua carta reflecte.»
Parece que a depressão de Ferreira de Castro se devia, pelo menos em parte, à morte do editor já de longa data, Paulo Martins Cabral, que fundara, com Delfim Guimarães, a casa que era a sua desde o início dos anos trinta e que ainda hoje dá a chancela ao seus livros. Sabendo que as relações entre os editados e quem os publica nem sempre são as melhores -- onde há dinheiro, normalmente há também vilania --, Jaime Brasil procura consolar o seu interlocutor deste modo:
«Não desejaria que se entristecesse com a morte do Martins. Viveu uma longa vida durante a qual realizou decerto todas as suas ambições. Deve ter sido uma criatura feliz, na sua mediocridade de avarento, sem inquietações outras que não fossem arrecadar cada vez mais dinheiro. Deveria estar convencido de que era um grande trabalhador, pois escrevia ele próprio as cartas e as facturas da loja. Isso devia causar-lhe um grande orgulho.
Fez-lhe mais uma mesquinhice pouco antes de partir? Quantas não lhe fez desde que trabalhava para ele? De algumas soube eu. Outras calou-as o Castro por pudor; mas não era difícil supô-las. O pilriteiro só sabe dar pilritos. Os seres mesquinhos, medíocres, pequeninos, não podem produzir mais nada do que as flores do seu jardim. Não são nossos semlhantes. Nisto concordo com o bruto do Jorge Amado: a humanidade divide-se nos nossos semelhantes e nos outros. O desaparecimento destes não deve causar-nos abalo. Não valem os miligramas de sais duma lágrima.»
Este desabafo sarcástico prossegue, aproveitando Brasil para dar conta da expulsão de Jorge Amado, então militante do PCB no exílio, do território francês, situação que para o signatário «confirma o reaccionarismo disto aqui. Parecem apostados em dar razão aos comunistas.» O próprio Jorge Amado lembrou décadas mais tarde, numa longa entrevista a Alice Raillard, a sua condição de peão da Guerra Fria neste termos: «Guerra Fria quer dizer, os americanos impunham a sua vontade. Faziam chuva e sol, eram os patrões da França. Esta era a realidade até à chegada de De Gaulle.» Tal como sucedera já com a II Guerra, este foi um dos temas correntes das conversas epistolares de ambos. Veja-se como Jaime Brasil dá conta das dissensões entre Tito e Stálin, o aproveitamento por parte dos americanos com o Plano Marshall e os efeitos perversos que a luta contra o bloco soviético trazia para a manutenção da ditadura de Salazar (e de Franco), com alusão a mais uma fraude eleitoral acabada de ocorrer em Portugal:
«Afligem-no as más notícias dos jornais. Também a mim. As fricções na fronteira da Sérvia são de mau prenúncio. O rastilho pode começar a arder ali. Ainda se deixassem os marechais comerem-se um ao outro bem estava. O marshallismo, porém, deu-lhe para proteger os mais repugnantes ditadores, desde que isso lhe pareça útil para atingir o nº 1. Daí os tristes espectáculos da Sérvia e aquele que, mais recentemente, se deu no Extremo Ocidente
A auto-ironia, muito acentuada, tem também lugar aqui. Em situação precária em Paris, após uma surtida de enviatura ao serviço do jornal, que pretendia alargar para a situação de correspondente, sem que os patrões estivessem nessa disposição, num braço-de-ferro desigual, as dificuldades de Brasil são de monta, mas é notável como ele consegue sorrir do seu próprio desamparo:
«Por deferência para com a nossa amiga M. Paz, fui assistir à primeira conferência de Service de l'Home, sobre o problema da alimentação mundial. Jantara nesse dia um café e um croissant, para poupar cem francos para o dia seguinte; mas à entrada da conferência pediram-me os cem francos... Cómico, não acha?, sobretudo tratando-se do problema da alimentação.»
Este já vai demasiado extenso (como epistolarmente se diria). Uma nota apenas para acrescentar que o livro é mais um testemunho e um acrescentar de volume à identidade escondida e ocultada de uma geração literária e cultural anarquista, que teve em Ferreira de Castro porventura o seu maior expoente (Julião Quintinha, Assis Esperança, Roberto Nobre, entre outros são igualmente nomes a considerar), e que se viu remetida para uma situação de insularidade interna, à medida que o o Estado Novo se institucionaliza e o pujante anarco-sindicalismo da I República é definitivamente derrotado na Revolta da Marinha Grande, progressivamente substituído pelo PCP na luta contra a situação. Foi uma guerra sem tréguas, com danos colaterais. O anarquismo em Portugal passaria a ser uma atitude, um conjunto de tertúlias, algumas associações. Mas essa é outra conversa.

Sunday, February 25, 2007

Lançamento

No próximo sábado, 3 de Março de 2007
no Museu Ferreira de Castro, em Sintra
(Rua Consiglieri Pedroso, 34)
pelas 17 horas
Estão todos convidados!

Uma capa de Dorindo

A Missão
Mem Martins, Publicações Europa-América
Colecção «Livros de Bolso», n.º 5, 1971

Sunday, February 18, 2007

Dos jornais #1 - Boletim Interno da Sociedade Cooperativa Piedense


FERREIRA DE CASTRO
50 Anos ao serviço da cultura
«Eu conheço muitas lápidas, tenho andado muito, sou um pouco judeu errante... Mas duas das lápidas que mais impressionaram o meu coração, duas lápidas que me causaram impressão mais profunda, foram: a primeira num edifício de Lisboa, numa casa regional, onde entre outros está o nome de uma pessoa que eu amei imenso. Eu não sabia que esse nome estava lá, mas um dia ao entrar e ao vê-lo fiquei profundamente comovido.* Outra sucedeu agora ao subir as escadas da vossa instituição. Ao ver aquele lápida que fala de sapateiros, de tanoeiros, da carpinteiros, de caixeiros; que fala naqueles que têm ganho o seu pão sem saber qual é o seu verdadeiro nome futuro. Essa lápida que nos fala de homens humildes, mas que criaram uma instituição, hoje tão grande, impressionou-me profundamente.
/////
Sempre, sempre encontro, quando realmente a vida parece fugir, um grande conforto que é certeza de que todos nós contribuímos um pouco, cada um dentro da sua esfera, para que o Mundo seja efectivamente melhor.»
(do discurso de Ferreira de Castro)
proferido no dia 27 de Abril,
na nossa cooperativa.
Sociedade Cooperativa Piedense -- Boletim Interno, n.º 18, Cova da Piedade, Junho de 1966, p. 1
Foto: Castro discursando na Sociedade Cooperativa Piedense, tendo por detrás uma lápida com a inscrição dos «Princípios de Rochdale», de 1844, uma das bases do cooperativismo
* Alusão a Diana de Liz (Maria Eugénia Haas da Costa Ramos), primeira companheira de Ferreira de Castro, de 1927 até à sua morte prematura, em 1930. O local será certamente a Casa do Alentejo, pois ela nascera em Évora, em 1894.

Sunday, February 11, 2007

Uma capa de Luís Filipe Cunha

O Senhor dos Navegantes
Lisboa, Expo'98, 1998
Colecção «98 Mares», n.º 86

Tuesday, January 23, 2007

Saturday, January 20, 2007

Recepção a Jorge Amado

Nas Publicações Europa-América, então editora do escritor brasileiro
(a partir da esq.: Armando Bacelar, Alves Redol, Urbano Tavares Rodrigues, Ferreira de Castro, Paloma e Jorge Amado, Álvaro Salema, Alexandre Cabral, Manuel Alpedrinha e João Corregedor da Fonseca)
Mem Martins, 26 de Fevereiro de 1966
In Alexandre Cabral -- Um Escritor -- Uma Época, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal, 1996

Sunday, January 07, 2007