Sunday, December 19, 2010

Neo-realismo: contributo para dificultar um problema (3)

Dir-se-á que a primeira hipótese [Ferreira de Castro, escritor neo-realista] é absurdamente anacrónica, pois a expressão «neo-realismo», criada por Joaquim Namorado (1), visava encobrir uma outra, o «realismo socialista» e soviético. Assim entendido o neo-realismo, Castro, que não foi um marxista, dificilmente aderiria aos seus pressupostos políticos. Por outro lado, se ele foi um precursor, não deixa de ser bizarro ter antecipado na estética uma via discordante da sua própria ideologia, tanto mais que quem abre caminhos, trilha-os forçosamente, mesmo que depois acabe por se afastar deles -- e não foi o caso.
É evidente que estamos perante um afunilamento do conceito, que fazia algum sentido nos anos da guerra e imediatamente posteriores, sendo explicável de um ponto de vista histórico-cultural e político, quando existia um acentuado espírito de grupo e uma forte dialéctica na vida intelectual portuguesa. Hoje não se justifica continuarmos essa abordagem duma forma que não seja totalmente livre e isenta dum "pensamento único".

(1) Ver Alexandre Pinheiro Torres, o Movimento Neo-Realista em Portugal na Sua Primeira Fase, 2.ª edição, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1983. 


Anarquismo e Neo-Realismo -- Ferreira de Castro nas Encruzilhadas do Século, Lisboa, Âncora Editora, 2002. 

No comments: