«Veio, depois, a inveja, a única que tive na minha vida: a de não ser igual aos outros, a de não possuir o seu à-vontade, a de não ter o sangue frio de que eles dispunham e graças ao qual brilhavam nas lições mais do que eu, embora soubessem muito menos.» [Memórias] (1931)]
Friday, August 01, 2025
Thursday, July 31, 2025
nas palavras dos outros
Nogueira de Brito (1928): «É uma obra feita de justeza, de equilíbrio, de calma e objectivação e dela fica a semente a lançar à terra em futuras colheitas de análise sentimental, em próximas depurações de psiquismos e de vibracionismo íntimo.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)
Wednesday, July 30, 2025
errâncias
«No dia seguinte, larguei de Toulouse em direcção a Ax-les-Thermes. O castelo de Foix, projectando a sua sombra sobre o Ariège, serve de guarda avançada, de vetusto guardião a uma paisagem deslumbrante. O comboio eléctrico passa por Hospitalet e vai até Puigcerdá, já em Espanha. Mas eu desço em Ax-les-Thermes, onde se começa a fazer, timidamente embora, propaganda turística da Andorra misteriosa.» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) -- «Andorra» [1929]
Tuesday, July 29, 2025
dos romances
«Só então o amo deu por aquela presença. Ele regressara nessa tarde do serviço militar e, no entusiasmo de ver pai e mãe, os vizinhos e, sobretudo, Idalina, não se havia lembrado ainda do seu antigo companheiro. Agora, porém, afagava-lhe a cabeça e metia, enternecido, um parêntesis na narrativa que estava fazendo: / -- Olha o "Piloto"! O meu "Piloto"!» A Lã e a Neve (1947)
Monday, July 28, 2025
dos «Pórticos»
«O nosso interesse pelas criações artísticas da Suméria, de Babilónia, da Assíria, do Egipto, de tantos outros povos que durante milénios se sepultaram na memória das gentes e só há pouco ressuscitaram sob as enxadas dos arqueólogos, taumaturgos dos nossos dias, não provinha apenas dessas obras de arte, mas da superação humana que elas já representavam em tão longínquos tempos.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)
Friday, July 25, 2025
correspondências
(José Dias Sancho a Ferreira de Castro, 1927) .../... «Quero destacar, porém, a primeira novela, admirável, admirável, admirável, e a última. / Qualquer delas faria de per si a reputação de um autor. / Quanto ao título do livro, não gosto, por lembrar literatura de quiosque. E chamo-lhe a atenção para o lapso de alguns verbos que pedem complemento directo, virem seguidos de complemento indirecto. Um pouco de cuidado na revisão, remedeia isso. Fica a emenda para a 2.ª edição.» .../... 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2006)
Thursday, July 24, 2025
traduções - TERRA FRIA
Tierra Fría - «Sobre el rocín, subiendo, despacio, el sendero pedregoso, Leonardo rumiaba íntimas irritaciones. No podía ser! Los gallegos estropeaban todo, ya pagando cuantos arbitrios exigían los aduaneros, ya saliendo, en el secreto de la noche, a hacer contrabando de pieles. Si aparecieran muchas de tejón y de topo, en las que se sacaba mayor ganacia, aún se pdría ir viviendo. Pero no.» - trad. Eugenia Serrano (1946)
Terra Fria - «Sobre a montada, subindo, devagar, a trilha pedregosa, Leonardo esmoía íntimas irritações. Não podia ser! Os galegos estragavam tudo, quer pagando quantos direitos os guardas-fiscais lhes exigiam, quer andando, na calada da noite, a fazer contrabando de peles. Ainda se aparecessem muitas de texugo e de tourão, em que os ganhos pingavam mais, sempre se poderia ir vivendo. Mas não.» Terra Fria (1934)
Terra Fria está traduzido em alemão, castelhano, checo, flamengo e francês.
Wednesday, July 23, 2025
nas palavras dos outros
(Agustina Bessa Luís, 1966): «Eu disse para mim: "Também escreverei; em breve escreverei um livro". Não sei de maior força que possa ter um autor, do que esse impulso que toca o espírito dos criadores obscuros, que nele encontram revelação e uma espécie de protecção à sua vontade e ao seu ermo.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro -- 1916/1966 (1967)
(Nogueira de Brito, 1928): «Em Ferreira de Castro não há a elevação "estudada" do sentir afeiçoado à exigência da efabulação, a rebuscada irradiação de emotismo coado pela oportunidade mais ou menos feliz: há, sim, a espontaneidade que nasce da cena real da existência, sem qualquer assomo de artifício, sem clangores de retumbâncias festivas, nem estilizações frívolas de colorismos doentios e insinceros.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)
(Jacinto do Prado Coelho, 1976): «Minúcia na descrição, própria de quem viu com seus próprios olhos, quer se trate da Natureza amazónica, esmagadora, quer dos trabalhos e preocupações quotidianas em tais regiões longínquas. E verdade humana no modo como os "heróis" se definem, tanto através de flashes retrospectivos, que os individualizam, como pelas formas de comportamento durante a expedição.» «"O Instinto Supremo": quando a ética se torna humanitária» In Memoriam de Ferreira de Castro (1976)
Tuesday, July 22, 2025
errâncias
«Nós vamos ver, agora, o planeta que eles devassaram em todas as direcções há quase cinco séculos, e, para se iniciar a volta ao Mundo, bom é o porto de onde largaram aqueles que o Mundo andaram a descobrir. Como nessa época já remota, os mesmos mares estão prenhes de mistério, estão hoje povoados de monstros e estes verdadeiros; monstros de ferro e aço, aos quais uma palavra bastará para exercerem a sua acção de morte.» A Volta ao Mundo (1940-44)
«O encanto desta viagem à aventura, das poucas, senão a única, que a indústria do turismo ainda não destruiu na Europa, rompeu-se, uma noite, na redacção de La Dépêche, em Toulouse. Um dos redactores, que já tinha peregrinado pelos confins do Ariège, disse-me que, como eu supunha, Hospitalet, aldeiazita francesa sepultada nos Pirenéus orientais, dava acesso a Andorra. Não havia, porém, estradas... E, quanto a passaporte, nenhum visto se exigia...» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) «Andorra» [1929]
«"Voltaremos mais tarde, com calma" -- garantimos a nós próprios, para nos redimir das ásperas censuras que nos fazemos. E saímos a passos largos, ansiosos de matar a curiosidade maior, enquanto à porta do claustro, o padre-guia da colegiata, de dedo estendido e olhos móveis, conta e reconta os novos visitantes, não vá algum estar ali sem haver pago a entrada.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)
Monday, July 21, 2025
dos romances
«["] Ele com a garganta tão fechada como se lhe tivessem posto solda, ele com vontade de estoirar os miolos, sabendo que Julieta estava por pouco -- e ele a comer, porque a luz ia já esmorecendo nos olhos dela e queria comprazê-la no momento da agonia. Agora, a cama estava suja pela presença duma porca, duma prostituta, que outro nome não merecia!"» A Tempestade (1940)
«Pus-me a trilhar a via enlameada e ia quase tranquilo sobre a minha sorte. A experiência colhida em dezassete anos de vida revolucionária ensinara-me a conhecer as ruas em que é pouco provável encontrar agentes de polícia durante as primeiras horas de uma greve.» O Intervalo (1936/1974)
«Se tivesse capital e pudesse mandar as pelecas directamente para Braga, até seria, talvez, melhor. Mas, assim, quem ganhava era o Sarzedas, repimpado em Montalegre, pois não tinha outro trabalho senão comprá-las e revendê-las, depois, no Porto, sabe-se lá por quanto cada uma!» Terra Fria (1934)
Friday, July 18, 2025
dos «Pórticos»
Não chegámos a rematar o último acto, porque outra peça, escrita anteriormente, nossa frágil asa de esperança, classificada muito embora num concurso, não conseguira céu aberto para voar. A juventude que então arvorávamos não convencia ninguém e uma timidez desprotegida impedia-nos todos os passos em direcção aos empresários.» A Curva da Estrada (1950)
«A solidão enchia-se dos seus uivos e a neve reflectia a sua temerosa sombra. A serra, porque só a pé ou a cavalo se podia vencer, parecia incomensurável, muito maior do que era, e de todos os seus recantos, de todos os seus picos e refegos brotavam superstições e lendas -- histórias que os pegureiros contavam, ao lume, a encher de terror as noites infindas.» A Lã e a Neve (1947)
«Desse bravo sítio, onde desejamos repousar para sempre, face ao sol e ao fulgor das estrelas, via-se, lá em baixo, branquejar a casita nativa, quase a entestar o afogado vale; e, da banda oposta, outras várzeas, outros povoados, outros cerros, maravilhosa sucessão de planos, formas e cores, tudo laborado pela mão do Homem. Ao fundo, esboçava-se o grande sortilégio, o Mar, o imã que nos atraía ali.» A Volta ao Mundo (1940-44)
Thursday, July 17, 2025
correspondências
(Jaime Brasil a Ferreira de Castro, 1926) .../... «Ficou o meu caro Ferreira de Castro de me mandar a conferência. Espero-a para fazer tirar umas cópias e satisfazer o desejo de Ribera-Rovira, muito lisonjeiro sem dúvida para si, e ao qual não devemos corresponder com a descortesia duma demorada resposta. / Disponha do // seu camarada / mto. afeiçoado / Jaime Brasil / Lxª. 3/4/926.» Cartas a Ferreira de Castro (2006)
(José Dias Sancho a Ferreira de Castro, 1927) .../... «Com a presente obra V. acaba de conquistar um lugar de destaque na literatura portuguesa, pois as suas novelas são duma soberba realização. Abraço-o e felicito-o vivamente, porque esta obra marca uma etapa magnífica na sua evolução, e acaba de alçapremá-lo, num impulso, às fileiras dos nossos melhores escritores.» .../... 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2006)
(Ferreira de Castro a Roberto Nobre, 1925): .../... «Aí vão agora dois trabalhos meus, que V. devolverá com os desenhos o mais depressa possível. (O Julião Quintinha, entrando ontem no meu gabinete, levou-me a interromper esta carta)... / Portanto, como lhe dizia há 24 horas, V. fica como colaborador do A.B.C., a não ser que a fatalidade se coloque de permeio...» .../... Correspondência (1922-1969)
Wednesday, July 16, 2025
traduções - ETERNIDADE
Eternidad: «Mañana alta, toda vestida de azul, con faralaes blancos que el mar tejía y desgarraba a sabor de su movimiento, la sombra surgida en la línea del horizonte iba creciendo y definiéndose en caprichoso recorte. Más que tierra próxima, como querían los pasajeros y la ciencia náutica afirmaba, se diría nube estática en la luminosidad imperante.» -- trad. José Ares (1959)
Eternidade: «I. »Manhã alta, toda vestida de azul, com folhos brancos que o mar tecia e esfarrapava ao sabor da ondulação, a sombra escortinada na linha do horizonte ia crescendo e definindo-se em caprichoso recorte. Mais do que a terra próxima, como queriam os passageiros e a ciência náutica afirmava, dir-se-ia nuvem estática na luminosidade imperante.» (1933)
Eternidade está traduzido em castelhano, checo e húngaro. Em preparação, as traduções italiana e turca.
Monday, July 14, 2025
outras palavras
«Não é preciso, sequer, ser muito velho para, semicerrando os olhos, ver passar intérmino e esfumado cortejo de figuras que, um dia, se projectaram em determinado estado da nossa existência. Mas, de tantas, ficam muito poucas gravadas no coração.» «Delfim Guimarães» (1934)
«Eu sentia um respeito enorme por tudo aquilo e estava envergonhado. Sentei-me a uma das carteiras e, não tendo coragem de levantar os olhos, fixei-os no abecedário, que crescia e se deformava constantemente. Nesses primeiros dias, a minha única distracção era seguir as moscas que passeavam no sujo rebordo do tinteiro.» [Memórias] (1931)
«Lá em baixo, corre o Caima, mas também a ventania lhe assimila o rumor da água nas suas quedas e serpenteios, por entre pedras limosas, enormes como ovos de ave mitológica. / Só o vento existe. Anda a bramar nos pinheiros das declividades, nos castanheiros da Felgueira, nos rochedos, nas locas, por toda a parte.» «O Natal em Ossela» (1932/1974)
Friday, July 04, 2025
traduções - A SELVA
La Selva: «Traje blanco, planchado, brillante, del mejor H.J. que tejían las fábricas inglesas, el señor Balbino, con u sombrero de paja envolviendole la mitad del cuerpo alto y seco, entró en la Flor de la Amazonia, más rabioso que nunca.» - trad. José Ares
Forêt Vierge: «À BELÉM - Vêtu d'un blanc impeccable amidonée et bien repassé, taillé dans le meilleur tissu anglais, le chef coiffé d'un grand chapeau de paille qui l'ombrageait jusqu'à la ceitnure svelte et sec, monsieur Balbino fit son entrée à "La Fleur des Amazones", l'air plus furibond que jamais.» - versão de Blaise Cendrars (1938)
Jungle - A Tale of the Amazon Rubber Tappers: «In a starched, smooth and shiny white linen suit of the best material produced by English mills, and wearing a straw hat which shaded half his tall, gaunt body, Senhor Balbino entred the inn known as the Flôr da Amazonia in a towering rage.» -- trad. Charles Duff (1935)
La Selva delle Amazzoni: «Il signor Balbino, in abito bianco ben stirato e lucido, del migliore H. J. tessutto nelle fabbriche inglesi, e con un grande capello di paglia che ombreggiava metà del suo corpo, alto e magro, entrò nel Fiore dell'Amazzonia, più rabbioso del solito.» -- trad. G. De Medici e G. Beccari.(1934).
La Selva: «De traje blanco, planchado, brillante, del mejor H.J. que tejían las fábricas inglesas, el señor Balbino, con un sombrero de paja que le sombreaba la mitad del cuerpo, alto y seco, entró en la "Flor del Amazonas", más rabioso que nunca.» -- trad. Luis Diaz Amado Herrero e A. Rodríguez de Léon (1931)
A Selva: «Fato branco, engomado, luzidio, do melhor H. J. que teciam as fábricas inglesas, o senhor Balbino, com um chapéu de palha a envolver-lhe em sombra metade do corpo alto e seco, entrou na "Flor da Amazónia" mais rabioso do que nunca.» (1930)
A Selva está traduzido nos seguintes idiomas: alemão (2), búlgaro, castelhano (2), croata, eslovaco, flamengo, francês, inglês, italiano, neerlandês, japonês, norueguês, romeno e sueco. Aguarda-se tradução albanesa e turca.
Wednesday, June 18, 2025
correspondências
José Dias Sancho a Ferreira de Castro (1927) «Monte Gordo, 10 de Setembro, 1927. // Meu caro F. de Castro: // Há apenas três dias que recebi o seu livro, e já o li todo, em outros tantos fôlegos. E, vamos, que tem 350 páginas! / V. está a afirmar-se o melhor realizador da nossa geração.» .../... 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2006)
Ferreira de Castro a Roberto Nobre (1925) .../... «Por agora quero dizer-lhe que só ontem tomei conhecimento da s/ carta para o Assis. Tratei do caso que nos dizia respeito. Falei com o Anahory do A.B.C. Ele aceitou a sua colaboração. E parece-me que V. vai ficar -- fica certamente -- como colaborador efectivo e com muito trabalho.» .../... Correspondência (1922-1969) (1994)
Jaime Brasil a Ferreira de Castro (1926): «Meu caro Ferreira de Castro: // Ribera-Rovira, o presidente da Federação da Imprensa, mandou-nos uma carta muito amável para si, pedindo-nos que lhe enviasse o texto da sua conferência, pois tinha muito interesse em conhecê-la.» .../... Cartas a Ferreira de Castro (2006)
Monday, June 16, 2025
outras palavras
«Mas lembro-me, nitidamente, da minha entrada na escola. Lá estava, ao fundo, à secretária instalada sobre um estrado, o sr. professor Portela. Era gordo e de cara muito branca e fofa. No primeiro plano, as carteiras com os alunos chilreantes. Alguns conhecia-os eu cá de fora. Mas tomavam ali, para a minha timidez, o papel de inimigos.» [Memórias] (1931)
«De onde seria o ramo que ia em procura do tronco familiar? De Castelões? Da Gandra? De Arouca? Viria do Porto, de Estarreja, de Lisboa? Em todo o vale flutuava, então, o segredo. Hoje, com os automóveis, quem passa, passa; a sua vinda não lembra sacrifício; tudo vai depressa, já não há distâncias e anda-se pouco ao frio.» «O Natal em Ossela» (1932/1974)
«Uns, não voltamos a encontrá-los jamais; outros, um dia, ao dobrarmos um dos ângulos do mundo, topamos com eles e, por pequeno que haja sido o convívio, a nossa emoção é tão grande como se em vez duma vida alheia encontrássemos um trecho pretérito da nossa própria vida -- vida que vivemos outrora e da qual já não somos mais do que uma precária lembrança.» «Delfim Guimarães» (1934)
Friday, June 13, 2025
nas palavras dos outros
(Nogueira de Brito, 1928) «Carácter e individualidade, moral e temperamento, tendências e atavismos, andam na obra de Ferreira de Castro como coisa existente, a valer, sem deformação, sem tintas esmorecidas, antes com um vinco de beleza moral e uma característica de perfeição honrosa que impressionam.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)
(Jacinto do Prado Coelho, 1976) «É narrativa de acção, relato duma luta e duma vitória final, novela animada de espírito épico -- mas a epopeia surge aqui humanizada, o livro é também "realista", prende-se ainda à tradição portuguesa daquela literatura de informação sobre terras desvendadas que remonta ao século XVI.» «"O Instinto Supremo": quando a ética se torna humanitária» In memoriam de Ferreira de Castro (1976)
(Agustina Bessa Luís, 1966). «Quando eu li A Selva eu tinha dezasseis anos. Estava no Douro, eu era como um búzio da praia onde se ouve uma ameaçadora informação da vida; ameaçadora, mas restrita à sua lonjura. A Selva pareceu-me uma obra-prima, a obra de alguém que tivera experiência sem perder uma nobre ciência da juventude, que é a esperança.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro - 1916/1966 (1967)
Wednesday, June 11, 2025
outro episódio de "Se bem me lembro", de Vitorino Nemésio
Ferreira de Castro sofrera um avc no início do mês de Junho de 1974, em Macieira de Cambra, e estava em como no Hospital de Santo António, no Porto, onde viria a morrer no dia 29. Nemésio -- que fará o elogio fúnebre neste mesmo programa, logo após o sucedido -- refere-se aqui à vivência de ambos na década de 1920 como os mais novos da tertúlia do Café Chiado, em que tinham assento Brito Camacho, Duarte Leite e José de Bragança, entre outros.
Agradeço a Manuel Pinto, do blogue aquiliniano "Alcança que não cansa", o envio deste filme, magnífico, como tudo o que tinha a marca do grande escritor açoriano.
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/os-ideais-republicanos/
Monday, June 09, 2025
errâncias
«Havia de entrar, sucedesse o que sucedesse! Como contrabandista, como refugiado político, de dia ou de noite, a pé ou de avião -- de qualquer maneira!» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)
«Há muito tempo que temos pressa. E, agora que estamos perto, a dois ou três quilómetros apenas do íman, não nos podemos dominar. / Vemos os antigos bastiões, a colegiata magnífica, cheia de preciosidades acumuladas desde o século V, e o nosso açodamento, numa imperdoável deslealdade com as riquezas que nos cercam, aumenta sempre.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)
«O navio, o primeiro das duas dezenas que devíamos utilizar, larga às três da tarde. No cais, os nossos amigos acenam-nos os últimos adeuses. E, por detrás, nas suas sete colinas, espairece ao sol a velha cidade de Lisboa. / Outrora, estes outeiros, vestidos de polícromo casaredo, viam partir os homens em frágeis caravelas, rumo ao desconhecido, que os oceanos eram, para eles, tão fabulosos como o foram, um dia, para os nossos olhos de menino.» A Volta ao Mundo (1940-44)
Friday, June 06, 2025
dos «Pórticos»
«Um vaporzito, com graciosidade de gaivota e calentura de de forno, largou de ao pé da "Kars-en-Nil" e, apitando aqui e ali, que o tráfego fluvial era grande em frente da cidade, começou a subir o rio sagrado.» A Tempestade (1940)
«Soube que você tinha estado na Praça da Macarena, entre os jornalistas, quando do bombardeamento do "Colmado del Salvador"; que observou as principais fases da greve e trilhou grande parte da Andaluzia, para averiguar "como as coisas se passaram". Por tudo isso me dirijo a si, mandando-lhe estes cadernos onde narro uma parte da minha vida. Se me autorizar, outros irão depois, à medida que os for escrevendo.» O Intervalo (1936/1974)
«A nostalgia deve ter nascido numa ilha e só numa pequena ilha se compreende, integralmente, o subtil significado da distância. Essa sufocação que dá a terra sem continuidade, como se o aro líquido que a estrangula se viesse fechar também em volta da nossa garganta, desperta constantes rebeldias e constantes impotências, acorda mil sentimentos ignorados, remexe, tortura, cava fundo na alma até o momento de esta se submeter por falta de mais energias.» Terra Fria (1934)
Wednesday, June 04, 2025
Monday, June 02, 2025
uma entrevista a Assis Esperança, por Igrejas Caeiro
Monday, May 26, 2025
na morte de Sebastião Salgado (1944-2025)
Sebastião Salgado |
Sunday, May 11, 2025
uma homenagem em 1964
Através de Manuel Pinto, autor de "Alcança quem não cansa», um blogue dedicado ao grande Aquilino Ribeiro, chega-me esta imagem da homenagem a Ferreira de Castro na Cooperativa de Consumo Piedense, em 1964, organizada pelo futuro blogger Cid Simões.
Friday, May 09, 2025
Wednesday, May 07, 2025
Wednesday, April 30, 2025
dos romances
«No convés lavado de fresco, Juvenal Gonçalves, o busto flectido sobre a amura, ressuscitava a pretérita visão, com tanta pureza emotiva como se, realmente, fosse a primeira vez que ali aproasse um navio. / O "Avelona Star", de boa singradura, trouxera para a direita do seu casco o vulto negrusco que até aí apresentava pela linha de proa.» Eternidade (1933)
«-- Lá bem não me parece, não... Mas o senhor não faz ideia do sítio para onde eles tenham ido? / -- Que ideia vou eu fazer? Sei lá! E a polícia é isto que se vê! O que mais me custa é que esses caipiras malditos me tenham comido por tolo! / -- Ora! Isso tem sucedido a muita gente boa! Não é a primeira vez...» A Selva (1930)
«À esquerda, para lá ainda da falda do outeiro, esbranquiçava, por entre a ramagem estática, o casario da aldeia. Desse lado, certamente de debicar os brincos vermelhos das cerejeiras, um gaio vinha, de quando em quando, esconder no pinhal o cromatismo da sua plumagem. "Chuá! Chuá!" E era o único grito que quebrava o silêncio, também volátil, das velhas árvores em êxtase.» Emigrantes (1928)
Thursday, April 24, 2025
errâncias
«Vamos olhando as maravilhosas "rejas" de ferro forjado, os portões solenes, as soberbas realizações arquitectónicas, todo este conjunto sóbrio e belo; e sentimos, ao mesmo tempo, que atraiçoamos Santillana, que menosprezamos o seu grande interesse artístico, atraídos e apressados por outra fascinação.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)
«Poderemos ver e estudar, durante quanto tempo quisermos, os seres e as coisas do Globo, sem ouvirmos o silvo do paquete em que os outros são forçados a partir. Traçamos, é certo, o mais incómodo e longo itinerário que se pode fazer, mas, também, o mais fascinante e fecundo, pelos povos que nos permitirá observar, alternando os centros urbanos, onde rutila a civilização, com os fundões da terra, onde a vida do Homem se encontra ainda selvagem, como se acabasse de surgir, de olhos e alma ofuscados, perante o Sol que a todos alumia.» A Volta ao Mundo (1940-44)
«O sub-prefeito chegou a mandar buscar o Larousse, só não o consultando porque eu lhe afirmei já saber de cor as palavras do nobre dicionário... / Na tarde desse dia resolvi continuar a ascensão dos Pirenéus. Impossível me parecia que, na última povoação indicada no mapa como vizinha de Andorra, ninguém me soubesse dizer a rota a seguir. E atrás não voltaria!» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) - «Andorra» [1929]
Monday, April 21, 2025
outras palavras
«Antigamente os carros, puxados por cavalos, tinham outro mistério. Ouvia-se à distância o seu rodar e só se deixava de ouvir quando já iam muito longe. De passagem, se o vento não era forte, enchiam de ecos o vale. E enquanto se escutava o ruído das ferraduras nas pedras da via e a cantilena das rodas, ficávamos todos a pensar na figura que alarmava a noite, muito embrulhada e metida no canto do "coupé".» «O Natal em Ossela» (1932/1974)
«Passa tanta gente, tanta! Passa tanta gente nos caminhos do planeta, tanta gente que conhecemos ao longo da vida! Uma mão que se apertou, umas palavras que se trocaram, uma amizade que aflorou, aqui, ali, a norte, a sul, neste e naquele país, neste e naquele continente.» «Delfim Guimarães» (1934)
«É esta a minha primeira recordação. E foram de ódio e de sofrimento as primeiras sensações que a vida me deu. Eu tinha quatro anos e meio. Aos seis fui para a escola. Era de inverno. Ia de chancas, friorento, enroupadito. Creio que foi minha mãe quem me acompanhou até meio-caminho. Não me recordo bem.» [Memórias] (1931)
Friday, April 04, 2025
as biografias de Jaime Brasil
Monday, March 24, 2025
dos romances
«Ao ver a expressão da irmã, Soriano julgou adivinhar nela uma discordância que se continha, por falta de tempo para discutir. / -- Há muitas excepções, é claro, e tu és uma delas... -- acrescentou ele a sorrir. / -- Não é isso o que me importa -- interrompeu Mercedes, pousando a chávena. -- O que me importa e irrita é essa mania que tu tens de achar bom tudo quanto é estrangeiro e mau tudo quanto é espanhol. Mas não me admira nada; mesmo nada; todos os teus correligionários são assim...» A Curva da Estrada (1950)
«Trazia o cabelo sujo e desgrenhado; alguns fios partiam da densidade do todo e enroscavam-se-lhe na testa, como as gavinhas que saem de sob as folhas das videiras à procura dum corpo para se abraçarem. / Ao atingir a porta, baixou o olhar sobre os dois degraus que tinha de descer e hesitou; o polícia compreendeu que, de mãos algemadas atrás das costas, ele não podia valer-se delas se um dos pés falhasse e ficou a observá-lo, um momento.» A Experiência (1954)
«Vendo-o assim, "Piloto" hesitou um instante, enquanto agitava mais a cauda e tremuras de alegria lhe percorriam o corpo. Logo se decidiu. E, humilde, foi colocar o focinho sobre a coxa do amo, como era seu costume quando este o chamava, à hora da comida, nos dias em que os dois andavam pastoreando o gado, lá nos picarotos da serra.» A Lã e a Neve (1947)
Wednesday, March 19, 2025
Conversas sobre Ferreira de Castro: "Ferreira de Castro, lido por Jaime Brasil"
Tuesday, March 18, 2025
traduções - EMIGRANTES
Emigrants: «Black and white, black and white, the black smooth and shinning and the white really snow-white, was a magpie with its tail nervously twitching, moving about among the pine needles and heather, in and out of sight, and from time to time it would rise in flight to the very top of the pine tree, carrying in its beak some small sprig or dry twig.» -- trad. Dorothy Ball, 1962
Émigrants: «Noire et blanche, noire et blanche, noir de jais et blanc de neige, la pie, la queue tremblotante, inquiète, sautillait parmi la ramille et la roquette, disparaissait, reparaissait, puis s'envolait en haut d'un pin, avec, au bec, quelque menue branchette.» -- trad. A. K. Valère, 1948
Emigrantes: «Negra y blanca, negra y blanca, el negro muy brillante y muy níveo el blanco, la picaza, de cola inquieta, trémula, picoteaba entre luz y tojo, escondiéndose aqui, levantándose alli, y, por fin, surgía de un vuello hasta la alta copa del pino, llevando en el pico hojarasca o pajillas.» -- trad. Eugenia Serrano, 1946
Emigranti: «Nera e bianca, nera e bianca, il nero lucentissimo e il bianco niveo, la gazza dalla coda irrequieta saltellava tra gli arbusti, ora nascondendosi ora riapparendo e alla fine spiccava il volo verso la cima alta del pino, portando nel becco un ramoscello secco.» -- trad. A. R. Ferrarin, 1937
Emigrantes: «Negra y blanca, negra y blanca, el negro muy brillante y muy de nieve lo blanco, la urraca de cola trémula, inquieta, saltaba entre hojas y tojos, se esconde aquí, surge allá, y, por fin, levantaba el vuelo hasta la copa alta del pino, llevando en el pico un trozo de ramaje seco.» -- trad. Luis Díaz Amado Herrero e Antonio Rodríguez de León, 1930
Emigrantes: «Preta e branca, preta e branca, o preto mui luzidio e muito níveo o branco, a pega, de cauda trémula, inquieta, saracoteava entre carumas e urgueiras, esconde ali, surge aqui, e por fim erguia voo até à copa alta do pinheiro, levando no bico ramo seco ou graveto.» (1928)
Emigrantes está traduzido nos seguintes idiomas: alemão, castelhano (2), checo, croata, eslovaco, francês, húngaro, inglês, italiano, polaco e russo.
Tuesday, March 11, 2025
dos romances
«Mounier parou: / -- Bom dia! Então qual é hoje o trabalho? / Ele vinha a rememorar a influência maléfica que uns quadris femininos podem ter, pelo facto de parecerem maiores do que efectivamente são quando o corpo está sentado, e perguntara aquilo distraidamente, muito mais por hábito de cortesia do que por força de curiosidade.» A Missão (1954)
«--É tudo uma malandragem! Ah, bom tempo em que havia relho e tronco! Então, esta canalha andava mesmo metida na ordem! Hoje, não se prende ninguém por dívidas e dizem que já não há escravos. E os outros? Os que perdem o que é seu? Vem um homem a fazer despesas, a pagar passagens e comedorias e até a emprestar dinheiro para eles deixarem às mulheres, e depois tem-se este resultado! Lhe parece bem? Ora diga, senhor Macedo: lhe parece bem?» A Selva (1930)
«["] Fora naquela mesma cama que ele tivera as núpcias com a sua primeira mulher, a santa que a morte levara, para desgraça dele. Fora ali, também, que a pobre morrera, lúcida, muito lúcida sempre preocupada, sempre a pensar no futuro dele e da filha, até o último instante. Ainda duas horas antes de expirar, obrigara-o a comer na sua frente, 'pois andava desconfiada de que, por causa dela, ele não comia.' Sofrera tanto com isso! ["]» A Tempestade (1940)
Thursday, March 06, 2025
nas palavras do outros
(Jacinto do Prado Coelho, 1976) «Mais uma vez, na pena de Ferreira de Castro, a literatura apontou um caminho e exaltou grandes valores morais. / / O Instinto Supremo conta a história simples dum punhado de homens que se propõem, arriscando a vida, trazer uma tribo de índios ao seio da civilização. Persuadi-los a, de livre vontade, quebrar uma atitude hostil e deixar o estado selvagem.» «"O Instinto Supremo": quando a ética se torna humanitária», In Memoriam de Ferreira de Castro (1976)
(Agustina Bessa Luís, 1966) «Era um dia quente e sem brisa, o espírito não contava pois com o ligeiro sopro das ribeiras; apagavam-se os verdes ao sol de Agosto. No entanto, Ferreira de Castro, sem esmorecer de atenção, disse: "Valeu a pena vir aqui ver esta estradinha... É maravilhosa..." Todos os anos passados eu levara a percorrer a pequena estrada branca, de noite, com luares circundados da piedade humilde dos pinhais, de dia ouvindo o cachoar da água, o mistério da água correndo absorta, a água matemática dos campos da minha terra -- tudo se voltou para mim do seu sequestro na memória e no hábito. E eu vi que sim, a estrada era maravilhosa.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro -- 1916/1966 (1967)
(Nogueira de Brito, 1928) «Os tipos, que a sua obra incarna, são exemplos da vida, e não há um gesto, um vinco de fisionomismo que não atinjam uma verdade irrefutável, um sentido de exactidão a que não está acondicionado o género novela, tão escassamente conseguido.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)
Sunday, March 02, 2025
Ferreira de Castro no texto de balanço de vida profissional de José António Saraiva
"Não é uma despedida", aqui.
Thursday, February 27, 2025
dos pórticos
«A nossa vida está pletórica de iniquidades, de misérias, de renúncias e de sofrimentos -- e nós, apesar disso, não queremos morrer. / Tu, meu irmão longínquo, que já mataste a morte, que já criaste um novo mundo sobre o mundo em que vivemos, que já tens uma outra noção do Homem e do Universo, dificilmente compreenderás como nos foi difícil viver assim.» Eternidade (1933)
«Mas só a memória responde. Com ela, agora e logo, ressuscita também um longínquo estado da sensibilidade, um pormenor que não teve valia momentânea, mas que ficou em relevo, com a sua luz própria e o seu verdadeiro aspecto.» A Selva (1930)
«Uns resignam-se logo à situação de elementos supérfluos, de indivíduos que excederam o número de seres que o são apenas no sofrimento, no vegetar fisiológico de uma existência condicionada por milhentas restrições. Curvam-se aos conceitos estabelecidos de há muito, aceitam por bom o que já estava enraizado quando eles chegaram e deixam-se ir assim, humildes, apagados, submissos, do berço ao túmulo -- a ver, pacientemente, a vida que vivem outros homens mais felizes.» Emigrantes (1928)
Monday, February 24, 2025
dos romances
«Ao fundo, cortando o declive, estendia-se a linha avermelhada dum valado, que cedia terreno e entrincheirava a multidão cerrada dos pinheiros adolescentes e mui viçosos -- a prole que os velhos não quiseram cobrir com as suas asas seculares.» Emigrantes (1928)
«Só depois de dobadas várias décadas sobre o dia em que Zarco se apossara da terra ignorada, é que o Atlântico se tornara, para os lusos, ser feminino -- Atlântida legendária e de novo virgem, que eles iam deflorando a pouco e pouco, sob o impulso da ambição e da glória. / Mas, com o mar colérico ou tranquilo como agora, ventasse rijo ou corresse, à tona, ligeira brisa, o espectáculo seria sempre de surpreender e extasiar, após a viagem desoladora.» Eternidade (1933)
«Então novas lâmpadas se acenderam e os seus focos inquiridores foram riscando o grande emaranhado, onde os grossos fios de lianas cosiam, uns aos outros, arbustos, plantas, árvores, e os velhos troncos de pele esbranquiçada pareciam, quando a luz por eles subia, a modo de réptil transparente, de contornos imprecisos, querer assustar os homens com a lividez de cadáver que a sua casca, de súbito, tomava.» O Instinto Supremo (1968)
Wednesday, February 19, 2025
errâncias
«Depois de exame feito a todos os programas que outros teceram, a todos eles renunciamos e estabelecemos programa próprio, sem compromisso algum com armadores, livres, completamente livres. Visitaremos, assim, os países que ilustram as viagens em redor do Orbe, organizadas por companhias de navegação, e também aqueles, de denso valor humano,, artístico e histórico, que nessas viagens nunca figuram.» A Volta ao Mundo (1940-44)
«Havia lido, não sei em que absurda gazeta, ser o bispo desta cidade quem dava o santo e a senha para se entrar na república patriarcal. Sondada, porém, aquela dignidade eclesiástica por Monsenhor Costa, velho emigrado português e director de uma das piscinas de Lourdes, a resposta foi negativa. Dirigimo-nos, então, à Compagnie du Midi e. finalmente, à Prefeitura. Nada! Para eles como para mim, Andorra só existia no mapa!» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)
«-- É a marquesa X, surda e louca -- dizem-nos e nós temos dificuldade em vencer a súbita ideia de que se trata duma ressuscitada que está ali apenas para completar o ambiente e que o seu vaivém soturno é uma forma de impaciência, enquanto ela espera que se reabra o túmulo.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)
Friday, February 14, 2025
correspondências
Ferreira de Castro a Roberto Nobre (1925) «S/c R. Dº Notícias 44-1º // Lisboa 23/3/925 // Meu caro Roberto: // Como vai V.? Louvo-lhe a coragem por uma tão grande ausência... / Noutra carta e mais de vagar hei-de increpá-lo por isso. V. não tem o direito de afastar-se assim do campo da luta. Enfim, falaremos mais pausadamente para outra vez.» .../... Correspondência (1922-1969) (1994)
Jaime Brasil a Ferreira de Castro (1926) .../... «Oxalá que a nobilíssima atitude expressa no manifesto, cujo original nos enviou, frutifique e que o grito soltado em prol do Direito e dos princípios da Humanidade encontre eco no coração e na inteligência daqueles a quem o acaso confiou a autoridade e o poder. / Creia meu caro consócio nos protestos de muita simpatia pessoal, com que lhe apresento, em nome desta Direcção, // Saudações muito cordiais / pelO SECRETÁRIO GERAL, / Jaime Brasil / Lisboa, 5 de março de 1926. / Ao Exm.º Snr. Ferreira de Castro» Cartas a Ferreira de Castro (2006)
Reinaldo Ferreira (Repórter X) a Ferreira de Castro (1926) .../... «Toda a gente sabe que a polícia de Espanha é das melhores informadas do mundo. A sua espionagem muito se assemelha a de Guepeau, de Moscow. Ela seguiu esta minha viagem. Tu sabes tão bem como eu, porque tiveste uma desagradável ocasião para isso. Peço-te que por carta contes o que leste na ficha que mostraram no comissariado de Madrid. / Teu camarada que muito te estima e admira // Reinaldo Ferreira» 100 Cartas a Ferreira de Castro (2.ª ed., 2007)
Tuesday, February 11, 2025
dos romances
«Três minutos depois da saída de Bernardo transpus também a porta. / Chovia. Uma chuvinha insistente, enervante, que pegara ao dealbar e nunca mais parara. Não havíamos contado com este elemento inoportuno que alterava os nervos e os espíritos. Os guardas-republicanos, graças à molinha, deviam estar mais ferozes.» O Intervalo (1936/1974)
«Como o carreiro avançasse, agora, por trecho plano, de urgueira tojo e carqueja, esporeou a besta e pô-la a trotar. Não, não estava certo! Andar esbaforido, de manhã à noite, sem resultado que se visse, só porque o haviam intrigado com o Iglésias e o galego não quisera negociar mais com ele!» Terra Fria (1934)
«Ao fundo, cortando o declive, estendia-se a linha avermelhada dum valado, que cedia terreno e entrincheirava a multidão cerrada dos pinheiros adolescentes e mui viçosos -- a prole que os velhos não quiseram cobrir com as suas asas seculares.» Emigrantes (1928)
Thursday, February 06, 2025
errâncias
«Em Bayonne, deixei de estranhar a ignorância encontrada em Lisboa e no Bureau National du Tourisme, em Paris; ali, primeira grande porta dos Pirenéus, nada se sabia também sobre os caminhos que conduzem a Andorra... E em Lourdes, a mesma incerteza. Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)
«Sujeito está a quedar-se apenas dois dias onde desejaria demorar-se duas semanas e duas semanas onde onde lhe bastaria ficar dois dias apenas. E a menos que possa seu tempo perder, este viajante solitário verá, enervado, partir o navio único de sua conveniência, que não é, geralmente, o navio que ele tem direito a tomar.» A Volta ao Mundo (1940-44)
«Numa janela alta, vemos um rosto colado ao vidro. Num pátio, um vulto negro que se esgueira. Mais adiante, em sala de rés-do-chão, a figura escura e desgrenhada de mulher que se passeia incessantemente dum lado a outro, com as pupilas sempre fixas na parede para onde avança e de todo alheia a quem a segue cá de fora.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-1963)
Monday, February 03, 2025
dos romances
«No topo da escada, esbatendo-se na penumbra, surgiu o abdome e logo o rosto avermelhado de Macedo, proprietário da "Flor da Amazónia": / -- Então, senhor Balbino? / -- Nada! / -- Sempre falou com o chefe da Polícia? / -- Falei com o secretário. / -- E que disse ele?» A Selva (1930)
«O que estava para além, não se sabia; lendas e pressentimentos estabeleciam cortina espessa, que vinha das alturas do céu, onde se acendiam as luminárias orientadoras, e, golpeando a enorme massa líquida, descia até profundidades abissais, julgadas sem fim. Proa que aspirasse a rompê-la devia ser de caravela onde apenas gesticulassem heróis ou loucos, votados, por livre desejo, à morte.» Eternidade (1933)
«Vestiam os seus trinta e quatro anos feitos e vividos sempre ali, entre a agressividade dos elementos, um casaco e colete velhos, enodoados, e camisa sem gravata. O rosto mostrava faces crestadas, lábios grossos e os olhos pestanudos quase se ocultavam sob o boné de pala, que descia até meia-testa. Nos ombros, luzia manta cromática, das que se fabricavam em Barroso, e de um lado e outro do bucéfalo dançavam, ao sabor da marcha, as peles compradas nesse dia. Tinham as extremidades endurecidas e do centro, ainda viscoso, exalavam cheiro nauseante.» Terra Fria (1934)
Saturday, February 01, 2025
Wednesday, January 29, 2025
outras palavras
«Inventou-se então a prisão... E... Na sua mesquinhez os mesquinhos aureolaram os Grandes: -- Como um morganho colocando uma coroa de louros na cabeça dum leopardo. E o leopardo por bonomia deixar-se quietar. / A prisão é uma coroação de todos os tempos. Não se enjaula um verme mas os leões.» Mas... (1921)
«Porquê, em vez de me proteger com a sua força, ele estimulava minha mãe a castigar-me ainda mais? Porque era ele tão mau e porque sorria vendo-me sofrer, se eu nunca lhe tinha feito mal? / É esta a minha primeira recordação. E foram de ódio e de sofrimento as primeiras sensações que a vida me deu. Eu tinha quatro anos e meio.» [Memórias] (1931)
«Mas a treva não deixa ver a neve. Traço branco, só o da estrada que golpeia a meia encosta, aqui pertinho, o grande fundo preto. Às vezes passa, veloz, um automóvel. Mal se distingue. O ru-ru do motor é rapidamente integrado na lúgubre barulheira geral. Parece uma lufada mais forte do vento que está carpindo, no vale inteiro, a sorte de não se sabe quem.» O Natal em Ossela (1932/1974)
Friday, January 24, 2025
dos romances
«Desci na companhia do Bernardo de Sousa, delegado dos comunistas, meu amigo apesar das nossas divergências. As noites passadas em branco haviam tornado mais lívido o seu rosto de tuberculoso. Para o mesmo esconderijo nos encaminhámos, mas, a meio da escada, detive-me e deixei-o marchar sozinho. Eu tinha ainda de ir a casa do Rebelo, ensinar-lhe a fazer desaparecer o pequeno arsenal que lhe fora confiado.» O Intervalo (1936/1974)
«Para passar menos tempo junto dela, vagueara, que nem doido, pela cidade, depois do jantar até essa hora tardia. "Aquele corpo, que ele amara tanto, estivera deitado com outro homem, a realizar as mesmas porcarias que fazia com ele. Com outro? Quem sabia lá se com muitos mais! Com dois, já ele sabia.["]» A Tempestade (1940)
«Horácio estava junto de Idalina, também conhecida de "Piloto"; estavam sentados num dorso de rocha que emergia da terra, ao cabo das decrépitas e negrentas casas do Eiró, no cimo da vila. E tão atarefado parecia Horácio com as palavras que ia dizendo à rapariga, que não deu, sequer, pela chegada do cão.» A Lã e a Neve (1947)
Thursday, January 23, 2025
nas palavras dos outros
(Agustina Bessa Luís) «O caminho branco com os lódãos enflorados de vinha, deu-lhe a atmosfera inteira desses lugares. E eu vi que só um homem que tivesse o talento de assumir a natureza das coisas, sem as alterar na sua originalidade, podia assim reconhecer a magnificência desse toucado dos violáceos festões de "português azul".» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro -- 1916/1966 (1967)
(Nogueira de Brito) «O que caracteriza a literatura de Ferreira de Castro é a incidência do bom gosto estético na observação filosófica dos factos e dos indivíduos, levada a um grau de conclusão e apuro exactos, que faltam à maioria dos escritores que trilharam o caminho por onde ele segue, sem um desvio, sem uma tergiversação, sem uma "falha".» «Ferreira de Castro e a sua obra literária» [1929], Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)
(Jacinto do Prado Coelho) «Ferreira de Castro -- quem o não sabe? -- pertenceu à segunda categoria. E O Instinto Supremo, sua última obra, confirmava naturalmente a clara, nobre vocação de escritor humanista. Do "Pórtico", em que o Autor se dirige a um velho amigo, se infere que o "romance" (talvez melhor "novela", apesar das suas dimensões) nasceu da convergência com o contacto pessoal com a Amazónia, ponto de partida d'A Selva, e da adesão profunda ao ideal humanitário que norteou Rondon e os seus sequazes na pacificação dos Índios do Brasil.» «"O Instinto Supremo": quando a ética se torna humanitária", In Memoriam de Ferreira de castro (1976)
Monday, January 20, 2025
dos pórticos
«Volto as gavetas sobre a minha mesa de trabalho, como se nela virasse o açafate doméstico, contendo apenas as migalhas dos dias vividos, de que se aproveitam somente as aspirações e os sonhos. Sonhos e aspirações que continua vivos e ardentes e se realizarão inevitavelmente, mas talvez só quando eu já estiver morto.» Os Fragmentos -- Um Romance e Algumas Evocações (1974)
«Meu amigo: / Um dia, já não sei há quantos anos desaparecido, mas certamente há mais de vinte, chegou, enfim, a mancheia de terra do longínquo seringal onde vivi; chegou numa caixita de papelão, que a viagem maltratou e eu conservo ainda, um pouco a modo de relíquia.» O Instinto Supremo (1968)
«Depois de havermos trilhado a velha Mesopotâmia, as suas estepes rechinando ao sol, que poeiras ardentes percorriam também e nos queimavam o rosto como enxames de faúlhas, depois de termos auscultado esses largos desertos de onde a nossa civilização lançou os primeiros clarões sobre um mundo espiritual ainda em trevas, voltámos a entrar nas salas de antiguidades orientais do Louvre, que tanto frequentáramos antes de partir.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)
Monday, January 13, 2025
correspondências
(Jaime Brasil a Ferreira de Castro, 1926) «Meu prezado consócio: // Esta Direcção recebeu a sua carta de 1 do corrente e os documentos que a acompanhavam, que ficarão, conforme é seu desejo, depositados nos arquivos deste Sindicato. / Permita-me o meu caro consócio que o louve pela iniciativa que teve de confiar à nossa guarda esses documentos, que representam uma admirável prova de coragem moral do escol dos intelectuais portugueses.» .../... Cartas a Ferreira de Castro (2006)*
(Ferreira de Castro a Roberto Nobre, 1922) .../... «Bis -- P.S. -- Se você vir o Dias Sancho diga-lhe que [com] respeito à matéria da sua última carta estamos quase de acordo. Que a carta era mto interessante. / Abusando dos pedidos, o Frias diz-me aqui ao lado, que você deve puxar as orelhas ao Lister, filho, porque ele até hoje ainda não lhe escreveu. Isto se você o encontrar, é lógico... // JMF» Correspondência (1922-1969) (1992)
(Reinaldo Ferreira (Repórter X) a Ferreira de Castro) «Lisboa 10 de Fevereiro de 1926. // Meu Caro Ferreira de Castro // Já sabes o que certa bela camaradagem urdiu, embora sem ousar fincar o dente, porque lhes faltam os queixais da verdade -- sobre a minha viagem à Rússia. Estou ensopando uma esponja nas provas e documentos para esfregar o rosto aos mal-intencionados. Para isso falta-me o teu testemunho.» ... /... 100 Cartas a Ferreira de Castro (2.ª ed., 2007)
* Jaime Brasil, Cartas a Ferreira de Castro (2006) - ed. Ricardo António Alves
Thursday, January 09, 2025
dos romances
«Em Espanha não só se come tarde, mas também se come demasiado. Provavelmente, o nosso carácter violento deve-se, em grande parte, ao excessivo trabalho que damos ao fígado... E é ver as nossas mulheres... Tão bonitas, tão sedutoras antes dos trinta anos! Mas, depois dos trinta, porque jantam tarde e se deitam, quase todas, em seguida ao jantar, começam a exibir umas ancas tão prósperas como se fossem mães de toda a Humanidade...» A Curva da Estrada (1950)
«Ao fundo, com uma árvore em frente, tão ramalhuda que quase a ocultava, erguia-se a capela, que, ligada embora ao edifício, avançava sobre o jardim, dando ao todo a forma dum grande L. / Ao entrar na cerca, Georges Mounier viu uma escada posta ao beiral. Junto dela, o «Bagatelle», homem de sete ofícios, pedreiro, pintor, até carpinteiro se fosse preciso, uma vez por outra trabalhando na Missão, ia remexendo com o pincel a tinta branca coalhada no fundo duma lata.» A Missão (1954)
«Avançava cautelosamente, inclinando a cabeça para não tocar no tecto. À medida que se acercava da claridade exterior, via-se que se tratava dum homem novo. O polícia sabia a sua idade exacta. Mas não era necessário ler o papel que o polícia trazia no bolso: Januário de Sousa, filho de Ana Maria e de pai incógnito, etc.; bastava deitar o rabo do olho à sua pele morena, lisa e macia que nem água passada a ferro na popa dos barcos, para se ver que ele não tinha mais de vinte anos, apesar de os seus olhos parecerem exaustos por não se sabia quantas madrugadas do princípio do Mundo.» A Experiência (1954)
Wednesday, January 08, 2025
errâncias
«Interessado pela psicologia de todos os povos minúsculos, eu queria conhecer a vida e os costumes desse povo que quase ninguém conhecia -- nem mesmo aqueles que se vangloriavam de ter debruçado a sua curiosidade por todas as varandas do Mundo.» «Andorra», Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)
«Toda a velha Espanha, pesada de orgulho, carregada de religião, de força e de prejuízos, nos legou aqui a síntese desse tempo. / A cidade é ainda habitada, mas não o parece. Raramente se vislumbra alguém nas ruas e aqueles que vivem nos seus remotos palácios dir-se-ão membros duma população de espectros.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)
«Há, também, "A volta individual ao Mundo". Companhias de navegação, para o efeito ajustadas, acordaram vender trânsito marítimo, com diminuídos preços, aos que pretendem rodear a esfera terrestre e voltar ao ponto de partida. Viagem menos cómoda do que a outra, quem a realiza torna-se servo não do muito ou pouco interesse do sítio visitado, mas da entrada e saída dos navios em que o seu bilhete lhe permite embarcar.» A Volta ao Mundo (1940-44)