do cap. I
* Protagonista: um velho advogado e dirigente socialista,
don Alvaro Soriano, um dos herdeiros políticos do histórico
Pablo Iglesias, da fundadação do PSOE. A acção decorre em Madrid, ao tempo da II República Espanhola (1931-1939)
*Incipit: «Encontravam-se os três à mesa de jantar e o velho relógio de pêndulo marcava onze horas menos um quarto.»
*O jantar tardio dos espanhóis, cena familiar confinada a Soriano, viúvo, à irmã, Mercedes, ao filho mais novo, Paco, com aparição de Ramona, a criada.
* Percebe-se o carácter tranquilo da personagem principal no meio de uma tempestade política pessoal, a ruptura com a nova geração de dirigentes do partido, formal e iminente; o interesse no seu concurso por parte do Partido Nacional, principal opositor dos socialistas, à direita.
*Mercedes, personagem autoritária, conservadora, católica, com quem o irmão acolhe com bonomia.
* A leitura dos jornais da tarde, após o jantar, acompanhado de um charuto, mostra alguém que desacelerou a actividade política, voluntária ou involuntariamente. Um deles traz um eco acerca do seu provável abandono do partido e especula sobre uma eventual adesão às hostes do partido da direita.
* Entremeia-se, sem concentração em face da notícia, a leitura de
La Vida del Buscón, de
Francisco de Quevedo, acompanhada de reflexão acerca dos clássicos que, fruto das obrigações académicas que os impunham, deles se afastara, tomando-os por literatura morta, para voltar ao seu convívio na idade madura:
«O que, outrora, lhe parecia enfadonha velhice na arte de dizer, ingenuidade na maneira de transmitir raciocínios e observações, surgia-lhe, agora, com um sabor novo, com a frescura de uma hora matinal, a luz de uma aurora precursora. Era toda uma experiência humana que falava, com prodfunda sagacidade, de dentro de remotos túmulos.»
-- perguntando-se se este apego ao antigo seria mérito perene das obras canónicas ou se evidenciaria sinal de senectude.
Calvino, d'além túmulo, em livro póstumo,
ensaiaria resposta.
* A notícia sensacional duma provável atitude vira-casacas avançada pelo diário, origina a indignação do próprio, alvo de manobrismo, da intriga política em conluio com o jornal, originando reacções expectáveis: telefonemas, de congratulação pela notícia ou incredulidade nela, consoante o espectro político de quem liga; telegrama com insultos.
* Algum espaço é dado a um antigo militante, seu correligionário e seguidor, indignado com a calúnia, que servirá para lançar o leitor no problema que o romance põe, que será qualquer coisa como: «o que nós nos somos é indissociável do que somos para os outros?». Isto é: qual a responsabilidade de alguém -- neste caso um dirigente político com pergaminhos na contenda política -- que devém uma espécie de símbolo, uma bandeira de luta, pela posições assumidas ao longo dos anos, para aqueles que aderiram aos seus ideais, proclamados nas tribunas e na imprensa?
* Escrito por volta dos cinquenta anos, A Curva da Estrada é, entre outras coisas, um romance sobre o envelhecimento.
*Publicado em 1950, 26 anos depois de abolido o multipartidarismo, creio que terá sido algo insólito no tempo político portugês de então.