«Havia um recurso: ir lá. mas ir como? Os mapas afirmavam a existência do povo remoto; os guias dos caminhos-de-ferro negavam-na terminantemente. Nas agências de viagens, os funcionários, interrogados, olhavam-nos com reservas, não fosse estarmos a caçoar com eles... / Um dia, porém, resolvi abalar de paris, convencido de que havia de chegar a Andorra.» «Andorra», Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)
Wednesday, November 20, 2024
correspondências
(Reinaldo Ferreira / Repórter X a Ferreira de Castro e Mário Domingues) .../... «Levo um saco de impressões. Na falta de tempos que sempre [?] tenho de sintetizar a correspondência. / Vou ao Porto, onde estarei uns dias e dou depois uma saltada a Lisboa para vos abraçar. Escrevam-me para Iberia Film -- Edifício do Banco do Minho Porto. / Saudades ao Cristiano, Bettencourt, Reis etc. / Vosso // Reinaldo Ferreira» 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992)*
Tuesday, November 19, 2024
dos romances
«-- Em Espanha janta-se sempre tarde de mais -- disse Soriano, em tom conciliador, assim que a criada saiu, depois de ter servido o café. -- É um horário absurdo o nosso. Quando estive emigrado na França e na Bélgica, é que dei conta disso. Nós desalinhamos a digestão da Europa, pois no momento em que os espanhóis começam a encher o estômago, já os outros povos estão a esvaziar o deles...» A Curva da Estrada (1950)
Monday, November 18, 2024
outras palavras
«Na luta alcançativa destes três Deuses apareceram Grandes, que às vezes esquecemos a sua qualidade de micróbios, para admirarmos as suas audácias na conquista do Querer, do Desejar, do Possuir. Mas os minusculamente pequenos, insignificantes ensimesmados, na sua estupenda quantidade numérica chegam a ser incomensuravelmente maiores que os Grandes...» Mas... (1921)
nas palavras dos outros
Friday, November 15, 2024
dos «Pórticos»
«Os primeiros teares criaram-se, em já difusos e incontáveis dias, para a lã que produziam os rebanhos dos Hermínios. O homem trabalhava, então, no seu tugúrio, erguido nas faldas ou a meio da serra. No Inverno, quando os zagais se retiravam das soledades alpestres, os lobos desciam também e vinha rondar, famintos, a porta fechada do homem.» A Lã e a Neve (1947)
Thursday, November 14, 2024
errâncias
«Não se cura de revelar o Mundo aos passageiros e sim de lhes permitir dizer aos amigos que eles deram a volta ao Mundo. Viagem de bom conforto, nas cidades visitadas esperam guias e automóveis, que levam os curiosos aos monumentos principais e, depois, os reconduzem a bordo, para que se lavem da poeira do Oriente, jantem bem e bailem até de madrugada, enquanto o talha-mar vai singrando em direitura a outro porto.» A Volta ao Mundo (1940-44)
«Não. Ia-se muito longe, devassavam-se os mais distantes recantos do planeta, mas a Andorra, que estava perto, manando, possivelmente, inéditas emoções, ninguém ia, ninguém pensava ir. Nasceu, assim, a minha curiosidade, que, a princípio, tentei saciar com papel impresso. Foi desejo quase inútil, pois da bibliografia andorrana, pequena como o país, dificilmente se encontrava em Portugal obra de jeito.» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)
«Lembra, por este mérito, o bairro dos cruzados em Rodes e Fatehpur Sikri, que foi capital da Índia e também permanece intacta, rutilando, escarlate e fantástica, sobre o topo duma colina. / Logo que entramos em Santilhana a nossa época desaparece. Os séculos medievos -- o XI, o XII, o XIII, o XIV -- abrem-nos as suas grossas portas, nas ruas em declive, e, então, a própria cor do nosso tempo se modifica.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-1963)
Tuesday, November 12, 2024
correspondências
(Ferreira de Castro a Roberto Nobre) .../... «Telefonei neste momento ao Assis, para saber se ele desejava transmitir-lhe qualquer coisa. Tinha ido almoçar. Paciência. Sei, porém, que brevemente ele lhe enviará ou as provas ou o original da novela. Sei, também, que ele, como eu, está-lhe grato por suas gentilezas. / Abrace, Rob.º Nobre, o seu amigo dedicado // JM Ferr de Castro // Lisboa 19/9/922» .../... Correspondência (1922-1969) (1994)
(Jaime Brasil a Ferreira de Castro) «Paris, 14/10 // Meu caro Castro. // Como vai isso? Bem? Não sei se já lhe escrevi ou não. Ando arrasado das viagens, hábitos alterados... o diabo. O M. Domingues já veio? / Estou na R. Richer, 26 Pension Home. Se for necessário qualquer coisa escreva até ao dia 20. Recomende-me à "Tertúlia". Abraça-o o am.º e camarada // Jaime». Jaime Brasil, Cartas a Ferreira de Castro (2006)
Monday, November 11, 2024
uma selecção nacional, por Ana Moreira
daqui |
Discutível, como o são todas: falta ali muita gente, e alguns duvido que lá devessem estar.
Agustina Bessa Luís, Ana Luísa Amaral, Dulce Maria Cardoso, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Ferreira de Castro, Florbela Espanca, Hélia Correia, Herberto Helder, Joana Bértholo, José Cardoso Pires, José Saramago, Lídia Jorge, Luís de Camões, Luísa Costa Gomes, Maria Judite de Carvalho, Mário Cláudio, Natália Correia.
Friday, November 08, 2024
dos romances
«Os seus toscos sapatos de borracha, com o feitio exacto das peúgas, semienterravam-se no tijuco ribeirinho e mais facilmente as pernas se desprendiam de dentro deles, do que eles se libertavam dessa lama pegajosa, quase tão voraz como as areias movediças.» O Instinto Supremo (1968)
«O polícia, que vinha sentado junto do motorista, chupou, quatro vezes seguidas, a ponta mungida do cigarro, atirou-a fora -- e desceu. Sentindo os olhares despejados lá de cima, que davam maior vaidade aos seus gestos, ladeou a furgoneta e, atrás, abriu a porta, que era chapeada e sólida como a dum cofre.» A Experiência (1954)
«O edifício, velho e longo, muito longo e de um só piso, parecia querer mostrar que a sua missão, justamente por ser celeste, devia agarrar-se à terra, estender-se bem na terra, para extrair a alma dos homens que nela viviam.» A Missão (1954)
Wednesday, November 06, 2024
outras palavras
«E o vale aumentou em extensão e profundidade. Parece que todo o mundo está aqui, na sombra imensa. Almas, desesperos, ambições, impotências -- e a trégua desta noite, em volta da lareira. Parece que não há mais nada. / Mas o vale chora, clama, geme sempre. Vu-vu-vuuu, a ventania fustiga o esqueleto das árvores, os pomares despidos de folhagem, os choupos esgrouviados,, os amieiros que debruam o Caima.» «O Natal em Ossela» (1932/1974), Os Fragmentos
«A terra cadáver imenso de pré-histórico monstro é refocilada por legiões intermináveis de parasitas: -- todo o reino animal. Que, como os últimos brasidos deixa evolar sobre a própria lama do sugar, um clarão: -- Do Querer, do Desejar, do Possuir.» «Mas... a prisão é a coroação», Mas... (1921)
«É em 1902 que começo a povoar o museu da minha vida, a decorar a galeria das recordações. / Foi numa tarde de sol -- tarde de luz forte que eu vejo ainda -- que dei início à tarefa. Eu brincava na estrada amarela que corria ao longo da casa onde nasci.» [Memórias] (1931)
Thursday, October 31, 2024
dos romances
«Ouviam-se já os passos da criada no corredor e, logo que ela entrou na sala, Mercedes censurou-a: / -- Por mais que eu repita, há-de ser sempre isto! A comida nunca está pronta a horas! Jantamos sempre tarde. / Ramona não se justificou, mas, pelos seus modos, Soriano compreendeu que ela resmungava por dentro. E parecia que o silêncio e a imobilidade de Paco apoiavam e aumentavam a razão de Mercedes.» A Curva da Estrada (1950)
«A cauda ergueu-se num ápice, formando volta que nem cabo de guarda-chuva; a cabeça levantou-se também e nela luziram os olhitos até aí amortecidos. "Piloto" estugou o passo. O caminho estava cheio de tentações, de paragens obrigatórias, estabelecidas por todos os cães que passaram ali desde que Manteigas existia, desde há muitos séculos. A Lã e a Neve (1947)
«Começou a andar sobre a ponta dos sapatos, cada vez mais cauteloso. Cecília já dormia quando ele chegou ao quarto. O seu primeiro ímpeto foi matá-la imediatamente, mas conteve-se. "Precisava de certificar-se com os seus próprios olhos e apanhá-los em flagrante, para que não o tomassem como um assassino vulgar".» A Tempestade (1940)