Encontrava-me com Ferreira de Castro depois de almoço, na Veneza, pastelaria da Avenida da Liberdade. Assis Esperança era-lhe uma companhia diária, quase um «duplo» nas palavras, nas ilusões, nas ironias, nas fantasias. «Este café é um pouco a minha casa. Há anos, sempre que estou em Lisboa, que aqui venho.» Sereno, imperturbável, o autor de A Selva conversava por igual com quem se lhe sentasse à mesa, se lhe dirigisse na rua, o questionasse em conferências, o abordasse em livrarias. Ouvia, e fazia ouvir-se, sem esforço, sem enfado, fato e gravata cinzentos, chapéu na cabeça, imaginação na distância, bondade no coração.
[...] A meio da tarde, Ferreira de Castro levantava-se, subia a rua, chalaceava (quando a via, à passagem pelo Tivoli) com Beatriz Costa e, sempre a pé, sempre devagar, sempre afectuoso, rodava a Praça do Marquês de Pombal sumindo-se num pequeno hotel (onde se resguardava com a mulher, a pintora Elena Muriel) trocado frequentemente por Sintra. Em Sintra estão, aliás, o seu museu e as suas cinzas.
Fernando Dacosta, Nascido no Estado Novo, Lisboa, Editorial Notícias, 2001, pp. 186-187
Saturday, September 16, 2006
Memória #2 - Fernando Dacosta com Castro e Assis na «Veneza»
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