A CANÇÃO DAS ÁGUAS
A Assis Esperança e a Ferreira de Castro
Cantam as águas p'la ribeira fóra,
Cantam as águas numa voz magoada...
E eu não entendo esta canção molhada
Que me perturba e me enternece agora!
Pela ribeira vão cantando as águas,
Cantam as águas de maneira nova...
-- Quem foi o poeta que inventou a trova,
Que as águas cantam, repetindo as máguas?
Cantiga assim não tinha ouvido ainda,
Nem sei até se outra mais linda existe!
Por sêr tam linda é que a cantiga é triste!
-- Por sêr tâm triste é que a cantiga é linda!
As águas cantam de maneira nova...
Oiço uma voz nas águas da ribeira...
--Quem foi que disse pela vez primeira
A soluçante e perturbada trova?
Quem a inventou, tam magoada e calma,
E quem a disse pela vez primeira?
--Quem deu voz às águas da ribeira
E com a voz lhe deu tambem a alma?
Alma das águas sobre as águas indo,
Ó alma errante, qual o teu segredo?
--Oiço a cantiga de mistério e mêdo
E a sua dor vai dentro de mim caindo!
Dentro das águas chora a voz de alguem,
Chora uma voz errante e sem destino...
Em vão quero entendê-la, e nunca atino
Com o sentido que a cantiga tem!
Linda cantiga de misterio e dor,
Não sei tirar-te já do meu sentido!
-- Que estranhos ritmos que eu não tinha ouvido!
-- Que lindos versos que eu não sei compôr!
Quem te inventou, linda cantiga de água?
Quem te inventou assim tam linda e triste?
Em ti uma alma incompreendida existe,
Que eu bem na oiço em tua voz de mágoa!
Canção de dôr toda molhada em pranto,
Quem é que sabe o teu mistério fundo?
Parece até que vem dum outro mundo
A tua voz que me perturba tanto!
Vaga e distante esta canção molhada
Enche a minha alma de mistério e mêdo...
Cantiga errante, qual o teu segredo?
Quem é que chóra em tua voz magoada?
Pela ribeira vão cantando as águas,
Cantam as águas de maneira nova...
-- Quem foi o poeta que inventou a trova
Que a ságuas cantam, repetindo as máguas?
Rebelo de Bettencourt, Oceano Atlantico, Ponta Delgada, Tipografia Insular, 1934, pp. 13-16
Saturday, June 10, 2006
A canção das águas, de Rebelo de Bettencourt
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