Monday, March 24, 2025

dos romances

«Ao ver a expressão da irmã, Soriano julgou adivinhar nela uma discordância que se continha, por falta de tempo para discutir. / -- Há muitas excepções, é claro, e tu és uma delas... -- acrescentou ele a sorrir. / -- Não é isso o que me importa -- interrompeu Mercedes, pousando a chávena. -- O que me importa e irrita é essa mania que tu tens  de achar bom tudo quanto é estrangeiro e mau tudo quanto é espanhol. Mas não me admira nada; mesmo nada; todos os teus correligionários são assim...» A Curva da Estrada (1950)

«Trazia o cabelo sujo e desgrenhado; alguns fios partiam da densidade do todo e enroscavam-se-lhe na testa, como as gavinhas que saem de sob as folhas das videiras à procura dum corpo para se abraçarem. / Ao atingir a porta, baixou o olhar sobre os dois degraus que tinha de descer e hesitou; o polícia compreendeu que, de mãos algemadas atrás das costas, ele não podia valer-se delas se um dos pés falhasse e ficou a observá-lo, um momento.» A Experiência (1954)

«Vendo-o assim, "Piloto" hesitou um instante, enquanto agitava mais a cauda e tremuras de alegria lhe percorriam o corpo. Logo se decidiu. E, humilde, foi colocar o focinho sobre a coxa do amo, como era seu costume quando este o chamava, à hora da comida, nos dias em que os dois andavam pastoreando o gado, lá nos picarotos da serra.» A Lã e a Neve (1947)

Wednesday, March 19, 2025

Conversas sobre Ferreira de Castro: "Ferreira de Castro, lido por Jaime Brasil"

 



"Conversas sobre Ferreira de Castro" - Sexta-feira, 21 de Março, 18 horas, no Museu Ferreira de Castro.





Com tactilização (degustação táctil) dos seus livros:

















 

Jaime Brasil (1896-1966), grande jornalista cultural, repórter, escritor, biógrafo, polemista e divulgador, foi um dos mais próximos amigos de Ferreira de Castro, cujas actividade literária e vida pessoal acompanhou de perto durante mais de quarenta anos, até à sua morte.

Os mais velhos, ligados à literatura e aos livros, conhecem-no, pelo menos de nome; mas se já com os ficcionistas -- poetas, romancistas e todos os outros -- é difícil conseguir que se mantenham à tona neste tempo voraz, os ensaístas e afins estão destinados aos alfarrabistas e a um público muito especializado.

Jaime Brasil não foi apenas um oficiante das "artes e das letras" -- título da página que durante algumas décadas coordenou n'O Primeiro de Janeiro -- mas um homem de acção: militar insurrecto, voluntário na Guerra Civil de Espanha, anarquista, jornalista, sindicalista, oposicionista, preso político, homem generoso, porém complicado e por vezes truculento. 

Escritor de ideias de primeira água, nos vinte livros que publicou avulta o género biográfico: de Rodin a Leonardo e Velázquez, ou de Balzac a Ferreira de Castro, passando por Victor Hugo e Zola, entre outros, e também a polémica, a reportagem, ou os de sexualidade, numa perspectiva libertária e emancipação feminina.

De que modo ele leu Ferreira de Castro é o que tentaremos descobrir.



Tuesday, March 18, 2025

traduções - EMIGRANTES

Emigrants: «Black and white, black and white, the black smooth and shinning and the white really snow-white, was a magpie with its tail nervously twitching, moving about among the pine needles and heather, in and out of sight, and from time to time it would rise in flight to the very top of the pine tree, carrying in its beak some small sprig or dry twig.» -- trad. Dorothy Ball, 1962

Émigrants: «Noire et blanche, noire et blanche, noir de jais et blanc de neige, la pie, la queue tremblotante, inquiète, sautillait parmi la ramille et la roquette, disparaissait, reparaissait, puis s'envolait en haut d'un pin, avec, au bec, quelque menue branchette.» -- trad. A. K. Valère, 1948

Emigrantes: «Negra y blanca, negra y blanca, el negro muy brillante y muy níveo el blanco, la picaza, de cola inquieta, trémula, picoteaba entre luz y tojo, escondiéndose aqui, levantándose alli, y, por fin, surgía de un vuello hasta la alta copa del pino, llevando en el pico hojarasca o pajillas.» -- trad. Eugenia Serrano, 1946

Emigranti: «Nera e bianca, nera e bianca, il nero lucentissimo e il bianco niveo, la gazza dalla coda irrequieta saltellava tra gli arbusti, ora nascondendosi ora riapparendo e alla fine spiccava il volo verso la cima alta del pino, portando nel becco un ramoscello secco.»  -- trad. A. R. Ferrarin, 1937

Emigrantes: «Negra y blanca, negra y blanca, el negro muy brillante y muy de nieve lo blanco, la urraca de cola trémula, inquieta, saltaba entre hojas y tojos, se esconde aquí, surge allá, y, por fin, levantaba el vuelo hasta la copa alta del pino, llevando en el pico un trozo de ramaje seco.»  -- trad. Luis Díaz Amado Herrero e Antonio Rodríguez de León, 1930 

Emigrantes«Preta e branca, preta e branca, o preto mui luzidio e muito níveo o branco, a pega, de cauda trémula, inquieta, saracoteava entre carumas e urgueiras, esconde ali, surge aqui, e por fim erguia voo até à copa alta do pinheiro, levando no bico ramo seco ou graveto.»  (1928)

Emigrantes está traduzido nos seguintes idiomas: alemão, castelhano (2), checo, croata, eslovaco, francês, húngaro, inglês, italiano, polaco e russo.

Tuesday, March 11, 2025

dos romances

«Mounier parou: / -- Bom dia! Então qual é hoje o trabalho? / Ele vinha a rememorar a influência maléfica  que uns quadris femininos podem ter, pelo facto de parecerem maiores do que efectivamente são quando o corpo está sentado, e perguntara aquilo distraidamente, muito mais por hábito de cortesia do que por força de curiosidade.» A Missão (1954)

«--É tudo uma malandragem! Ah, bom tempo em que havia relho e tronco! Então, esta canalha andava mesmo metida na ordem! Hoje, não se prende ninguém por dívidas e dizem que já não há escravos. E os outros? Os que perdem o que é seu? Vem um homem a fazer despesas, a pagar passagens e comedorias e até a emprestar dinheiro para eles deixarem às mulheres, e depois tem-se este resultado! Lhe parece bem? Ora diga, senhor Macedo: lhe parece bem?» A Selva (1930)

«["] Fora naquela mesma cama que ele tivera as núpcias com a sua primeira mulher, a santa que a morte levara, para desgraça dele. Fora ali, também, que a pobre morrera, lúcida, muito lúcida sempre preocupada, sempre a pensar no futuro dele e da filha, até o último instante. Ainda duas horas antes de expirar, obrigara-o a comer na sua frente, 'pois andava desconfiada de que, por causa dela, ele não comia.' Sofrera tanto com isso! ["]» A Tempestade (1940) 

Thursday, March 06, 2025

nas palavras do outros

(Jacinto do Prado Coelho, 1976) «Mais uma vez, na pena de Ferreira de Castro, a literatura apontou um caminho e exaltou grandes valores morais. / / O Instinto Supremo conta a história simples dum punhado de homens que se propõem, arriscando a vida, trazer uma tribo de índios ao seio da civilização. Persuadi-los a, de livre vontade, quebrar uma atitude hostil e deixar o estado selvagem.» «"O Instinto Supremo": quando a ética se torna humanitária», In Memoriam de Ferreira de Castro (1976)

(Agustina Bessa Luís, 1966) «Era um dia quente e sem brisa, o espírito não contava pois com o ligeiro sopro das ribeiras; apagavam-se os verdes ao sol de Agosto. No entanto, Ferreira de Castro, sem esmorecer de atenção, disse: "Valeu a pena vir aqui ver esta estradinha... É maravilhosa..." Todos os anos passados eu levara a percorrer a pequena estrada branca, de noite, com luares circundados da piedade humilde dos pinhais, de dia ouvindo o cachoar da água, o mistério da água correndo absorta, a água matemática dos campos da minha terra -- tudo se voltou para mim do seu sequestro na memória e no hábito. E eu vi que sim, a estrada era maravilhosa.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro -- 1916/1966 (1967)

(Nogueira de Brito, 1928) «Os tipos, que a sua obra incarna, são exemplos da vida, e não há um gesto, um vinco de fisionomismo que não atinjam uma verdade irrefutável, um sentido de exactidão a que não está acondicionado o género novela, tão escassamente conseguido.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária»Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)