Friday, October 17, 2025

outras palavras

«Nas velhas cozinhas, em redor da mesa e ao fulgor da lareira, agrupa-se a família. Os velhos e as velhas, remotas esculturas enegrecidas e cariadas pelo tempo; os filhos que estavam ausentes e que puderam vir e os que ainda andam fraldiqueiros a crescer.» «O Natal em Ossela» (1932-1974)

«Delfim Guimarães fazia parte desse pequeno número. Ele sabia criar um lugar de especial ternura na alma de todos aqueles que se lhe acercavam. / Tenho conhecido muita gente. Uns, mascarados, às esquinas da vida; outros, colocados ao sol, espírito aberto à compreensão, que tudo justifica e tudo absolve, à solidariedade humana, ao amor pelos que sofrem e até por aqueles que parecem não sofrer...» «Delfim Guimarães» (1934)

Thursday, October 16, 2025

errâncias

«Nós vamos erguer, pela segunda vez, a nossa tenda na Grécia, que da primeira não quisemos escrever e ajuizar sobre tão multiforme terra, com tantas galas vestida, sem a termos observado novamente. De caminho, porém, deter-nos-emos em Gibraltar, Argel e Palermo, ligeiros ante-rostos do Mundo que vamos trilhar.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«Arribo a Hospitalet uma hora depois. Lugarejo cor de lebre, com um pequeno hotel que desempenha ali, entre as patas das serranias, o papel das antigas mala-postas, tem um ambiente de Far-West, cenário de filme de aventuras americano.» (1929) Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

Wednesday, October 15, 2025

O(s) Egipto(s) de Eça de Queirós e Ferreira de Castro

 


O Egipto, civilização eterna fundada há cinco mil anos (!), que continua a suscitar tanto interesse em todo mundo, deixou também um legado ao estado que continua a ostentar o seu nome -- o Egipto contemporâneo, que, como ainda hoje mesmo as notícias nos recordam, persiste como um dos países mais importantes à escala global, por várias razões.

Eça de Queirós e Ferreira de Castro visitaram-no com décadas de intervalo e em séculos diferentes (1869 e 1935). Romancistas diferentes, com idades diferentes, tal como diversas foram as circunstâncias em que por lá andaram, deixaram o testemunho escrito, tanto acerca do tempo dos faraós, como aquilo que os seus olhos puderam observar no terreno.

Sobre as diferenças e semelhanças dos dois olhares irá constar minha conversa,  esta sexta-feira, 17 de Outubro, às 18 horas, no Museu Ferreira de Castro.


 

Monday, October 13, 2025

nas palavras dos outros

Jacinto do Prado Coelho (1976): «Bem diferente do heroísmo da epopeia literária, amplificante, era este "heroísmo nos factos necessários, sem contágios excitadores, mesmo se a naturalidade que os três homens aparentavam fosse premeditada, mesmo que a sua audácia não se tivesse consumado sem largas e ferventes apreensões."» O Instinto Supremo: quando a ética se torna humanitária», In Memoriam de Ferreira de Castro (1976)

Agustina Bessa Luís (1966):  «Quando escrevemos sobre um camarada das letras, quase sempre exigimos que o que pode haver de triunfal na vida não se nos depare como conselho da inveja. Por isso só sabemos louvar os vivos com brandura, não aconteça acordarmos os nossos próprios corcéis competidores.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro - 1916/1966 (1967)

Friday, October 10, 2025

correspondências

(José Dias Sancho a Ferreira de Castro, 1927) .../... «Meu caro amigo, devo dizer-lhe que estou verdadeiramente encantado com o seu "Voo". / V. sabe como sou sincero nas minhas opiniões. / A psicologia daquela pobre rapariga da "cave" está traçada a primor / "A Reconquista da Juventude" é uma deliciosa blague. / E na complicada metamorfose da obra de arte, a que V. chama "do escultor", é assim mesmo. / Mais uma vez: um abraço! / E escreva mais livros como este! // Disponha do adm.or e am.º obscuro // José Dias Sancho» 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2007) 

(Jaime Brasil a Ferreira de Castro, 1929) .../... «Ele poderia, por exemplo, traduzir-lhe p.ª lá qualquer novela do famoso escritor modernista russo Leonid Andréve, émulo de Dostoyevesky e de Gorki e a quem Kipling considera "o maior novelista dos últimos tempos". Esse homem tem as suas obras traduzidas em todas as línguas, menos, evidentemente, em português.» .../... Cartas a Ferreira de Castro (2006)

Thursday, October 09, 2025

dos Pórticos

«Este livro explicar-te-á, porém, o nosso drama. É a nossa história que eu te ofereço aqui, a história de todos nós, que queremos ser eviternos e temos de morrer, que queremos ser felizes e nunca o somos, integralmente.» Eternidade (1933)

«Alguns, porém, não se resignam facilmente. A terra em que nasceram e que lhes ensinaram a amar com grandes tropos patrióticos, com palavras farfalhantes, existe apenas, como o resto do Mundo, para a fruição de uma minoria.» Emigrantes (1928) 

Wednesday, October 08, 2025

dos romances

«Os seus olhos evitavam encontrar o corpo adormecido de Cecília. Decidiu ir deitar-se na sala de jantar. Havia lá um velho divã e uma noite em qualquer parte se passava, sobretudo uma noite como aquela! Em seguida repeliu a decisão. "Devia proceder em tudo como de costume, senão a cabra, ladina como era, podia desconfiar. E, então, ele seria mais uma vez tomado por tolo."» A Tempestade (1940)

« -- Ao Chico de Baturité, a esse mulato mesmo sem vergonha, eu adiantei umas pelegas para ele se vestir e lhe tirei a barriga de misérias, porque aquela gente vive lá num chiqueiro. E foi assim que ele me pagou! O que vale é que o "Justo Chermont" larga amanhã. Porque se demorasse mais, o resto do pessoal era capaz de pôr-se também nas trancas.» A Selva (1930)

Monday, September 29, 2025

outras palavras

«Nem da coruja que mora na igreja velha, escorropichadora de lâmpadas há um ror de anos, ele deixa hoje ouvir o sinistro uuu-gru-gru-gru. O vento domina tudo. O vale inteiro está transido pelo seu uivar. Quem ousa pôr a cabeça fora de porta numa noite destas, que é, ademais, para ser vivida em casa?» «O Natal em Ossela» (1972-1974)

«Mas, de tantas, só algumas saem da sombra onde jazem aqueles que conhecemos e se perderam de nós, levados pelas circunstâncias do destino. Só algumas, presentes ou ausentes, adquirem lugar próprio, convívio permanente com a nossa alma, criando uma amizade singular dentro do amor plural por toda a Humanidade.» «Delfim Guimarães» (1934) 

«Veio, depois, a inveja, a única que tive na minha vida: a de não ser igual aos outros, a de não possuir o seu à-vontade, a de não ter o sangue frio de que eles dispunham e graças ao qual brilhavam nas lições mais do que eu, embora soubessem muito menos.» [Memórias] (1931)]

Tuesday, September 23, 2025

errâncias

«E, contudo, estende-se, lá fora, um luar sortílego e um mar calmo, numa noite de maravilha propícia a fazer-nos sonhar com as mais belas coisas da vida. Mas o navio está cheio dessa inquietação que, hoje, tortura os homens, no planeta inteiro.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«O carro desliza numa estrada branca, que ladeia, de quando em quando, o Ariège murmurante. A paisagem torna-se adusta. Começa a severidade das montanhas e os píncaros cobrem-se com grandes chapéus de bruma.» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«Não lhe dizemos que a pressa nos percorre as veias e nos queima como o fogo dentro do rastilho, mas a nossa expressão deve trair-nos, porque ela logo nos adverte: / --É preciso fazê-lo. Demora alguns minutos. / Resignamo-nos, que remédio! Como podemos dar, com plena satisfação, o novo passo sobre o tempo, se nos acompanhar, seco e impertinente, o vício insatisfeito?» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63) 

Friday, September 19, 2025

nas palavras dos outros

Jacinto do Prado Coelho (1976): «São heróis de carne e osso, homens com as suas fraquezas, os seus desânimos, os seus impulsos instintivos, e cuja própria grandeza se insere na mediania do quotidiano. "Tudo parecia estranhamente natural, quotidiano, acto comum. Nimuendaju, Raimundo e Carolina subiam agora a ribanceira, tranquilamente, como se viessem duma pesca mediana, nem farta em capturas, nem gorda em decepções."» O Instinto Supremo: quando a ética se torna humanitária», In Memoriam de Ferreira de Castro (1976)

Agustina Bessa Luís (1966): «Depois distanciamo-nos noutros enlevos do género literário, noutras predicações e várzeas frias do conhecimento; mas a essência da voz humana que ressoa numa e noutra obra é a mesma. Vemos de súbito que ela se reconhece naquele encontro, num caminho poeirento e silencioso.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro -- 1916/1966 (1967)

Nogueira de Brito (1928): «É uma obra feita de justeza, de equilíbrio, de calma e objectivação e dela fica a semente a lançar à terra em futuras colheitas de análise sentimental, em próximas depurações de psiquismos e de vibracionismo íntimo.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)