Tuesday, August 19, 2025

errâncias

«Entramos, pois, no "Parador Gil Blas", que celebra o herói do famoso romance de Lesage. É, também, um velho palácio que o turismo adaptou a hotel. Do fundo da sala, envidraçada e com o seu todo de jardim-de-inverno, a governanta vem ao nosso encontro, alta, distinta e de olhos negros, sonhadores, como requer um albergue de bom nome literário.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Já no Atlântico, contornando a costa portuguesa e, depois, a espanhola, os passageiros que vêm de Nova Iorque entregam-se aos jornais ingleses, recém-comprados em Lisboa, reunindo-se, à noite, não em frente da orquestra, que toca, solitária, no grande salão, , mas juntos dos aparelhos que espalham notícias do Mundo convulso.» A Volta ao Mundo (1940-44) 

Monday, August 18, 2025

dos romances

«Logo, metendo a direita no bolso, onde guardava o revólver, estendeu a esquerda e ajudou-o. / Lá de cima, alguns dos presos, lavrados de curiosidade e de comentários sarcásticos, viram-nos principiar a andar -- um atrás do outro. Marchavam com naturalidade, nem depressa, nem devagar, no ritmo de funcionários que chegam a horas ao seu emprego.» A Experiência (1954)

Sunday, August 17, 2025

dos «Pórticos»

«O papel escrito desceu para a gaveta e o tempo continuou a sua rota. / Em 1931, quando a República ocupou o trono de Espanha, várias artes e mutações ali operadas fizeram-nos pensar de novo na velha peça inacabada. Mas nessa época já se havia desvanecido o nosso interesse juvenil pelas fulgurâncias dos tablados.» A Curva da Estrada (1950)

Wednesday, August 13, 2025

dos «Pórticos»

«Papéis que jaziam no fundo, submersos pelos mais recentes, estão agora à flor dos outros; a cronologia restabeleceu-se e eles falam-me dos anos em que fui obrigado a vigiar o comportamento das palavras para além das suas imposições estéticas, nesta mesma secretária de onde eles deviam erguer voo, direitos à luz exterior, e quedaram afinal na escuridão das gavetas, como na de um túmulo.» Os Fragmentos [1974] 

«Havia-a pedido a outrem, mas foi-me remetida por si, depois de encontrar a minha carta solicitante olvidada entre as folhas de velho dicionário, amarelecida pela luz a extremidade deixada à vista; por si, que já nesse tempo entregava, perdulária e amorosamente, a sua vida e a sua paixão de biólogo, de etnógrafo e de etnólogo ao estudo das expressões físicas e humanas da floresta imensa; por si, caro Nunes Pereira, que eu não conhecia ainda.» Ferreira de Castro, O Instinto Supremo (1968)

«O nosso interesse pelas criações artísticas da Suméria, de Babilónia, da Assíria, do Egipto, de tantos outros povos que durante milénios se sepultaram na memória das gentes e só há pouco ressuscitaram sob as enxadas dos arqueólogos, taumaturgos dos nossos dias, não provinha apenas dessas obras de arte, mas da superação humana que elas já representavam em tão longínquos tempos.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

Tuesday, August 12, 2025

errâncias

«Santilhana do Mar não tem Cafés. Na Idade Média, a Europa desconhecia a bebida negra e estimulante, boa companheira, inimiga dos nervos frouxos e das noites de chumbo; e, mesmo que a conhecesse, nunca os aristocratas de Santilhana sairiam dos seus palácios, tão adornados de panóplias como de preconceitos de castas, para irem amesendar-se na sala democrática dum Café, onde se compra a igualdade humana por alguns níqueis apenas.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Inúmeras ameaças transitam no ambiente que respiramos, no que se ouve e se lê, nas paixões e nas cobiças que emprestam ao nosso tempo uma angústia mais densa do que a de velhas eras. / O "Saturnia" desce, lentamente, o Tejo e, à direita, entre as velas do rio, fulge a Torre de Belém, símbolo do país das grandes viagens. Mais abaixo, a luz vespertina enche de colorido as vivendas do Estoril, enquanto lá ao fundo, na serra de Sintra, irisada bruma dá ao castelo um aspecto fantástico.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«No dia seguinte, larguei de Toulouse em direcção a Ax-les-Thermes. O castelo de Foix, projectando a sua sombra sobre o Ariège, serve de guarda avançada, de vetusto guardião a uma paisagem deslumbrante. O comboio eléctrico passa por Hospitalet e vai até Puigcerdá, já em Espanha. Mas eu desço em Ax-les-Thermes, onde se começa a fazer, timidamente embora, propaganda turística da Andorra misteriosa.» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) -- «Andorra» [1929]

Monday, August 11, 2025

dos romances

«O "Bagatelle"deixou a lata, pousou uma das mãos sujas sobre a escada e olhou para o beiral: / -- Vou pintar a palavra "Missão" no telhado, por causa dos bombardeamentos... / -- Muito bem. É preciso -- apoiou Mounier, sempre com um tom descuidado e já a afastar-se.» A Missão (1954)

«Soriano contemplava-a com esse sorriso complacente e irónico de quem não está disposto a melindrar-se. Ela levantou-se da mesa e caminhou apressadamente para o seu quarto. / Soriano e o filho ergueram-se também. O taque-taque do relógio parecia mais nítido, mais corajoso, à medida que o iam deixando sozinho.» A Curva da Estrada (1950)

«Só então o amo deu por aquela presença. Ele regressara nessa tarde do serviço militar e, no entusiasmo de ver pai e mãe, os vizinhos e, sobretudo, Idalina, não se havia lembrado ainda do seu antigo companheiro. Agora, porém, afagava-lhe a cabeça e metia, enternecido, um parêntesis na narrativa que estava fazendo: / -- Olha o "Piloto"! O meu "Piloto"!» A Lã e a Neve (1947)

Friday, August 01, 2025

outras palavras

«Veio, depois, a inveja, a única que tive na minha vida: a de não ser igual aos outros, a de não possuir o seu à-vontade, a de não ter o sangue frio de que eles dispunham e graças ao qual brilhavam nas lições mais do que eu, embora soubessem muito menos.» [Memórias] (1931)]

Thursday, July 31, 2025

nas palavras dos outros

 Nogueira de Brito (1928): «É uma obra feita de justeza, de equilíbrio, de calma e objectivação e dela fica a semente a lançar à terra em futuras colheitas de análise sentimental, em próximas depurações de psiquismos e de vibracionismo íntimo.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)

Friday, July 25, 2025

correspondências

(José Dias Sancho a Ferreira de Castro, 1927) .../... «Quero destacar, porém, a primeira novela, admirável, admirável, admirável, e a última. / Qualquer delas faria de per si a reputação de um autor. / Quanto ao título do livro, não gosto, por lembrar literatura de quiosque. E chamo-lhe a atenção para o lapso de alguns verbos que pedem complemento directo, virem seguidos de complemento indirecto. Um pouco de cuidado na revisão, remedeia isso. Fica a emenda para a 2.ª edição.» .../... 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2006)

Thursday, July 24, 2025

traduções - TERRA FRIA

Tierra Fría - «Sobre el rocín, subiendo, despacio, el sendero pedregoso, Leonardo rumiaba íntimas irritaciones. No podía ser! Los gallegos estropeaban todo, ya pagando cuantos arbitrios exigían los aduaneros, ya saliendo, en el secreto de la noche, a hacer contrabando de pieles. Si aparecieran muchas de tejón y de topo, en las que se sacaba mayor ganacia, aún se pdría ir viviendo. Pero no.» - trad. Eugenia Serrano (1946)

Terra Fria -  «Sobre a montada, subindo, devagar, a trilha pedregosa, Leonardo esmoía íntimas irritações. Não podia ser! Os galegos estragavam tudo, quer pagando quantos direitos os guardas-fiscais lhes exigiam, quer andando, na calada da noite, a fazer contrabando de peles. Ainda se aparecessem muitas de texugo e de tourão, em que os ganhos pingavam mais, sempre se poderia ir vivendo. Mas não.» Terra Fria (1934)

Terra Fria está traduzido em alemão, castelhano, checo, flamengo e francês.