Friday, January 18, 2008

Ferreira de Castro e o seu tempo - O ano de 1900 (#1 )

Castro -

Texto - Carlos Malheiro Dias, Filho das Ervas; Abel Botelho, Sem Remédio; Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires e A Correspondência de Fradique Mendes (póstumos).
Castro sobre Malheiro Dias - Malheiro Dias foi, durante alguns anos, um escritor muito apreciável, que pôde fazer, à margem da sua obra política, uma obra literária de grande brilho. / [...] /Mas com o tempo Malheiro Dias embotou-se, cristalizou. E a sua obra original foi preterida por uma obra coordenativa: «A História da Colonização Portuguesa no Brasil». «Exortação à mocidade...», A Batalha -- Suplemento Semanal Ilustrado, n.º 67, Lisboa, 9/3/1925, in Ferreira de Castro, Ecos da Semana -- A Arte, a Vida e a Sociedade, edição de Luís Garcia e Silva, Lisboa, Centro de Estudos Libertários /Cadernos d'A Batalha, 2004, p. 30.
Caricatura de Arnaldo Ressano




Confronto - Anton Tchékhov, O Tio Vânia; Joseph Conrad, Lord Jim; Octave Mirbeau, Diário de uma Criada de Quarto.
Castro sobre Tchékhov - El tio Wania. -- Duas surpreendentes comédias teatrais do grande Anton Chekov, reunidas num só volume. Na primeira -- «El tio Wania» -- a velha rússia burguesa; na segunda -- «Las tres hermanas» -- um poema de melancolia, de íntimo e inefável encanto. Assinado pelos «Repórteres Associados» na rubrica «As artes e as letras -- Notícias, críticas e indiscrições», Civilização, n.º 19, Porto, Janeiro de 1930, p. 95.



Contexto - Censo da população portuguesa: 5.016.267



Pintura de 1900 - Henri Matisse, Nu Masculino: «O Escravo»


Castro sobre Matisse: Mais do que os problemas da perspectiva e do espaço, mais do que a realidade dos seres e das coisas, ele buscava o seu significado através duma incansável renovação das formas e dum grande talento de colorista. Cada um dos seus quadros correspondia, de certa maneira, a um constante criacionismo intelectual e pictural, que lhe veio do seu período «fauviste.» As Maravilhas Artísticas do Mundo, vol. III, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1963, p. 1036.






MoMA, Nova Iorque

Música de 1900 - Gustav Mahler, sinfonia #4




4.º andamento Orquestra Nacional da Rádio Polaca, Lynda Russell, soprano.

Poesia de 1900 -

AS ALGAS

No revoltoso Mar vogam, à superfície,
seguindo a ondulação inconstante das vagas
que se vão desfazer numa branca planície,
algas dum verde-escuro, algas de formas vagas.


Vão, sem destino, errando ao sabor da corrente.
Eu cuido que uma força, ignorada e imutável,
as conduz para um porto, ou negro ou resplendente
onde vão descansar num sossego infindável.



Assim também no mundo, errantes e sem guia,
entre o choro e o riso, entre a vida e agonia,
demandando, vãmente, o porto que procuro,

eu vejo flutuar meus versos de criança,
tendo, a enchê-los de vida, a cor verde da esperança
a que a tristeza dá um tom brunido e escuro.



João de Barros, Algas, Coimbra, França Amado Editor, 1900.



Castro a propósito de João de Barros - João de Barros nasceu à beira-mar, numa praia vasta e loira como uma seara da Argentina -- a sua amada Figueira da Foz. As primeiras vozes que seus ouvidos receberam eram do grande revoltado, que ora sussurrava velhas, ignoradas dores, ora estrondeava longas e tremendas cóleras, que enchiam a noite de mistério e pavor. Era uma energia permanente, desafiando os tempos incontáveis, as ameaças do Céu e da Terra, resistindo tanto às imprecações dos homens fortes como aos tímidos rogos dos fracos. Mesmo quando se calava, mesmo quando adormecia e uma brisa suave, respiração de sono calmo, anunciava a trégua, a sua presença fazia-se sentir como uma força indomável, sobre cujo breve repouso ninguém poderia tecer dúvidas, força que, dum momento para o outro, se altearia de novo -- a maior, a mais prodigiosa força de todo o Planeta. Prefácio a Anteu / Sísifo -- Poemas Dramáticos, Lisboa, Livros do Brasil, 1960, pp. 11-12.


Escritores de 1900 - José Bacelar (Lisboa; m. Lisboa, 1964); Antoine de Saint-Exupéry (m. 1944). Morrem em 1900 Eça de Queirós (a 16 de Agosto, em Paris; n. Póvoa de Varzim, 1845); Friedrich Nietzsche (a 25 de Agosto).





Castro sobre Eça de Queirós - [...] Eça de Queirós, como todos os grandes espíritos, foi, exactamente por sua grandeza, prejudicial às gerações que lhe sucederam. Porque... Do seu túmulo, ele, como se predicasse de sobre uma tribuna de mármore, continua a manter discípulos: -- a dispensar poderosas influências: -- a impor a sua forma e os seus «processos» a uma geração que sem essa tutela sepulcral ter-se-ia encontrado a si própria. «Livros novos», A Palavra, Lisboa, 17/VIII/1922, p. 4. [...] Eça de Queiroz não era um escritor de alma popular; ele parecia um aristocrata vingando-se dos seus pares. Mas um aristocrata que trazia as censuras dos intelectuais do povo a uma sociedade hipócrita, injusta e corrupta. «Eça de Queiroz é um escritor universal?» [...], Livro do Cinquentenário de Eça de Queiroz, edição de Lúcia Miguel Pereira e Câmara Reys, Lisboa e Rio de Janeiro, Dois Mundos, 1945.



Castro sobre Nietzsche - Nietzsche compreendido é Nietzsche insultado. «Raul Brandão», Mas..., Lisboa, Edição do Autor, 1921, p. 32.
[No ano em que Hitler rearma a Alemanha e no preciso dia (15 de Setembro) da aprovação das Leis de Nuremberga, sobre a "pureza de sangue" ariano, Castro refere-se à filiação do pensamento do fhürer no do autor de Para Além do Bem e do Mal]:
[...] aquele homem que saiu dos livros de Nietzsche, trazendo no cérebro lugares comuns ideológicos e, na boca, uma torrente de verbalismos, encontra, a facilitar-lhe o êxito individual, uma Europa que, na sua maior parte, quer viver tranquila e, para alcançar esse objectivo, se resigna, se humilha mesmo perante as mangações de toda a ordem a que a submetem. «Prestígio individual», O Diabo, n.º 64, Lisboa, 15/IX/1935, p. 1.
[...] eu duvidava confrangidamente de conseguir realizar as ambições literárias que trouxera. E então do mar das tormentas físicas e psíquicas partiu uma onda de pessimismo e de mortificado ensimesmamento, uma vaga sobre cujo dorso pregavam Schopenhauer e Nietzsche, amparos de quem nessa época se tinha por incompreendido [...]. «Pequena história de "Emigrantes"» [1966], Castriana, n.º 3, Ossela, Centro de Estudos Ferreira de Castro, 2007, p. 18.

Ecos de Nietzsche no jovem Ferreira de Castro - [...] Sob o hábito dum presidiário pulsa sempre o coração dum herói. [...] / E todo o preso que não for isso desonra a prisão: --É um pequeno carneiro que o rebanho na barafunda de encarcerar o pastor encarcerou-o também. Por equívoco, é lógico. Tirem-no, pois. Ele é do rebanho. É indigno de estar na prisão. Emporcalha-a. [...] «Mas... a prisão é uma coroação», Mas..., Lisboa, edição do Autor, 1921, pp. 7-8. [...] Eu nunca trouxe ao povoado a minha alma. Eu só desço ao povoado a buscar o meu quinhão. Jamais... Ninguém se pode vangloriar que se tivesse debruçado sobre a ânfora de renúncia onde encerrei todas as aspirações de minh'alma solitária. Os vermes só conhecem do lobo aquelas necessidades que ele satisfaz em comum: -- para viver: -- E servindo-se da mesma matéria que eles se servem. Não consta que na feira do povoado algum dia aparecesse exposta a alma dum lobo. / Eu não venho, pois, estabelecer-me no povoado. Transijo em comunicar com o povoado. [...] «"Os novos" -- conceitos de Zaratustra», A Hora, n.º 1, Lisboa, 12/III/1922.
Ecos de 1900 - Fialho de Almeida a Manuel Ribeiro (Cuba, 23/IV): A literatura e a arte são egoístas terríveis: e ou lhes damos a vida, ou lhe[s] passamos ao pé sem pensar mais nelas.» in Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal, 2.ª edição, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985, p. 332.

Castro sobre Fialho (a propósito da crítica) - Em Portugal, como na Grécia, há a ideia de que a crítica deve ser de «porrete à esquina», género Brás Burity. Homens tão dotados como Fialho de Almeida deixaram-nos algumas lamentáveis amostras desse género. O crítico passa a ser uma espécie de arauto de todos os despeitos, incluindo, às vezes, o dele próprio, como no caso do Fialho com o Eça, e o criticado apenas um pretexto para o crítico se salientar. Isto, evidentemente, já não é consequência da pequenês, mas sim da atmosfera moral dum país. «Uma entrevista com Ferreira de Castro -- O escritor portugês contemporâneo de maior projecção universal», Ler, n.º 1, Lisboa, Abril de 1952.
actualizado em 19,22/I/2008

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